BlackBerry (2023)

Tique nervoso

título original (ano)
BlackBerry (2023)
país
Canadá
gênero
Drama, Comédia
duração
121 minutos
direção
Matt Johnson
elenco
Jay Baruchel, Glenn Howerton, Matt Johnson, Cary Elwes, Saul Rubinek, Michael Ironside, Rich Sommer, Sungwon Cho, Michelle Giroux, Mark Critch
visto em
73º Festival de Cinema de Berlim

Esta obra aborda a criação do BlackBerry, o telefone com teclado embutido. Ela também discute a ganância do mercado empresarial; os jogos desleais entre sócios; a competitividade do mercado; as relações entre custo e benefício em novas criações da indústria; a ascensão e queda de um gigante do mercado. A trama se associa às demais histórias a respeito de magnatas que se destruíram ao tentar crescer vertiginosamente, ou fazendo alianças questionáveis. Todos estes temas fazem parte essencial do longa-metragem.

No entanto, este seria, acima de tudo, um filme sobre certa ideia do cinema. Trata-se do conceito tipicamente norte-americano de dinamismo audiovisual, associado a este mundo masculino, voraz e traiçoeiro das invenções tecnológicas. Entre séries e filmes, Hollywood criou uma cartilha da aparência ideal para um projeto tenso sobre homens brigando entre si dentro de escritórios, no último andar dos prédios mais luxuosos da cidade. Codificou-se uma maneira de falar, filmar, montar e trabalhar o som. O “filme-catástrofe empresarial” se tornou um subgênero em si próprio.

No caso, diretores como Adam McKay, Aaron Sorkin e Danny Boyle exploraram estes recursos: a câmera extremamente nervosa, tremendo sem parar de um lado ao outro, ajustando o foco durante cada plano. Enquanto isso, a montagem corta freneticamente de um rosto a uma mão no mouse; de uma ligação telefônica a uma reunião tensa por trás de um escritório cercado por vidros. Para imprimir urgência, a imagem aparenta decidir no ato, enquanto filma, de qual maneira deveria registrar cada interação. Como os diálogos se encaminham ao caos, a linguagem busca uma equivalência estética.

O estilo provoca alguns efeitos. O primeiro deles diz respeito ao histrionismo da direção: o gênio da tecnologia Mike Lazaridis (Jay Baruchel) pode estar discutindo com seu co-CEO Jim Balsillie (Glenn Howerton) a respeito de temas gravíssimos, no entanto, fica difícil prestar atenção a qualquer outro elemento para além da câmera dispersa. O recurso nem sequer se justifica a contento: em geral, os personagens estão apenas sentados em frente a computadores, ou pensando em soluções informáticas para os celulares. Por que raios a câmera rebola tanto em frente aos atores? 

O cinema norte-americano ainda nutre uma relação tão saudosa com gigantes da tecnologia e com os self made men que se prova incapaz de realmente questioná-los em suas atitudes.

O segundo efeito diz respeito a uma pressuposição superficial da imersão do espectador. Ao agir desta maneira, a direção de fotografia acredita estar posicionando o espectador entre os participantes da reunião, como se nos tornássemos um a mais, como num videogame interativo. Ora, existem inúmeras maneiras de se comunicar com o espectador e engajá-lo na experiência: pela ocultação de parte das informações, pelas sugestões em som ou no extra-quadro, pelas metáforas, analogias, sugestões. 

Entretanto, nada disso aparece aqui: a direção se mostra descritiva e óbvia em suas intenções. O imaginário de agitar algo em frente a uma pessoa para conseguir a sua atenção se prova falha: esta lógica do “chocalho para o bebê” se esquece que, quando tudo é agitação, nada o é. É preciso criar volumes, texturas, e instantes frenéticos alternados com outros de calmaria. Basta olhar para o tédio profundo de Transformers e outros filmes em que tudo explode. Verbalmente e imageticamente, pode-se dizer que BlackBerry gasta tempo demais explodindo também.

O terceiro efeito, decorrente dos anteriores, reside na primazia da sensação sobre a reflexão. Avesso ao distanciamento, esta forma de cinema-síncope busca captar o espectador através dos estímulos mais evidentes: a ansiedade, a confusão, o espanto, a excitação, o horror, o medo, a raiva, a surpresa. Terminada a volta na montanha-russa, o que resta ao viajante? Em outras palavras, o que a obra teria a dizer, a respeito deste caso, para além de nos informar sobre a sua existência? Seria o mero orgulho patriótico de nos dizer que o Canadá também teve seu Steve Jobs? 

No elenco, os atores se esforçam para compor o ponto de vista assumidamente caricatural proposto pelo diretor Matt Johnson (que interpreta Doug, um dos co-criadores da empresa, e coadjuvante de maior tempo de tela). O autor descreve todos os jovens desenvolvedores do BlackBerry como paspalhões imaturos, incapazes de compreender a seriedade dos negócios. Já os empresários correspondem, sem exceção, à figura de administradores sedentos por dinheiro e dispostos a qualquer falcatrua para ascender no ramo.

O maniqueísmo, justificado em partes pelo tom cômico, reforça o ponto de vista do bom selvagem: aqui, Mike e Doug nascem puros e repletos de talento, até que o mundo de ações, vendas e especulações os corrompa. É muito difícil permanecer íntegro neste meio, cabendo se afastar quando o jogo se torna sujo demais — curiosamente, o diretor oferece a si próprio o papel de homem mais fiel aos seus princípios, enquanto os demais o decepcionam. Há uma visão simples, que se pretende crítica em relação ao meio, mas não consegue evitar a glamurização dos gênios da tecnologia. O filme visa criticar o sistema, mas não se priva de elogiar aqueles que jogam o jogo.

A experiência melhora na segunda metade, quando o stoner movie cede espaço a um suspense mais tenso. Conforme os empresários de Harvard tomam conta dos negócios, eles também monopolizam a trama, que deixa seus jovens em segundo plano. A câmera se acalma um pouco, permitindo instantes esparsos de hesitação ou contemplação. Caso percebesse a tensão da precariedade, desde o começo (quando Mike e Doug estão afogados em dívidas) até o final (quando o sucesso pode ser interrompido a qualquer momento), talvez os produtores oferecessem um ponto de vista mais complexo do capitalismo que aspira estudar. 

Por fim, o cinema norte-americano ainda nutre uma relação tão saudosa com gigantes da tecnologia e com os self made men que se prova incapaz de realmente questioná-los em suas atitudes. Matt Johnson e sua equipe trazem uma “ficcionalização” dos fatos (segundo os letreiros) porque acham a história interessantíssima, empolgante, excitante. Eles nunca demonstram o estranhamento mínimo para analisar o vício deste sistema corrompido em suas nuances e relações político-sociais. Até por isso, gêneros como o terror têm se mostrado muito mais férteis no retrato do pesadelo da tecnologia se voltando contra homens ambiciosos — vide o excelente Ex_Machina: Instinto Artificial.

BlackBerry (2023)
4
Nota 4/10

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