Esta obra aborda a criação do BlackBerry, o telefone com teclado embutido. Ela também discute a ganância do mercado empresarial; os jogos desleais entre sócios; a competitividade do mercado; as relações entre custo e benefício em novas criações da indústria; a ascensão e queda de um gigante do mercado. A trama se associa às demais histórias a respeito de magnatas que se destruíram ao tentar crescer vertiginosamente, ou fazendo alianças questionáveis. Todos estes temas fazem parte essencial do longa-metragem.
No entanto, este seria, acima de tudo, um filme sobre certa ideia do cinema. Trata-se do conceito tipicamente norte-americano de dinamismo audiovisual, associado a este mundo masculino, voraz e traiçoeiro das invenções tecnológicas. Entre séries e filmes, Hollywood criou uma cartilha da aparência ideal para um projeto tenso sobre homens brigando entre si dentro de escritórios, no último andar dos prédios mais luxuosos da cidade. Codificou-se uma maneira de falar, filmar, montar e trabalhar o som. O “filme-catástrofe empresarial” se tornou um subgênero em si próprio.
No caso, diretores como Adam McKay, Aaron Sorkin e Danny Boyle exploraram estes recursos: a câmera extremamente nervosa, tremendo sem parar de um lado ao outro, ajustando o foco durante cada plano. Enquanto isso, a montagem corta freneticamente de um rosto a uma mão no mouse; de uma ligação telefônica a uma reunião tensa por trás de um escritório cercado por vidros. Para imprimir urgência, a imagem aparenta decidir no ato, enquanto filma, de qual maneira deveria registrar cada interação. Como os diálogos se encaminham ao caos, a linguagem busca uma equivalência estética.
O estilo provoca alguns efeitos. O primeiro deles diz respeito ao histrionismo da direção: o gênio da tecnologia Mike Lazaridis (Jay Baruchel) pode estar discutindo com seu co-CEO Jim Balsillie (Glenn Howerton) a respeito de temas gravíssimos, no entanto, fica difícil prestar atenção a qualquer outro elemento para além da câmera dispersa. O recurso nem sequer se justifica a contento: em geral, os personagens estão apenas sentados em frente a computadores, ou pensando em soluções informáticas para os celulares. Por que raios a câmera rebola tanto em frente aos atores?
O cinema norte-americano ainda nutre uma relação tão saudosa com gigantes da tecnologia e com os self made men que se prova incapaz de realmente questioná-los em suas atitudes.
O segundo efeito diz respeito a uma pressuposição superficial da imersão do espectador. Ao agir desta maneira, a direção de fotografia acredita estar posicionando o espectador entre os participantes da reunião, como se nos tornássemos um a mais, como num videogame interativo. Ora, existem inúmeras maneiras de se comunicar com o espectador e engajá-lo na experiência: pela ocultação de parte das informações, pelas sugestões em som ou no extra-quadro, pelas metáforas, analogias, sugestões.
Entretanto, nada disso aparece aqui: a direção se mostra descritiva e óbvia em suas intenções. O imaginário de agitar algo em frente a uma pessoa para conseguir a sua atenção se prova falha: esta lógica do “chocalho para o bebê” se esquece que, quando tudo é agitação, nada o é. É preciso criar volumes, texturas, e instantes frenéticos alternados com outros de calmaria. Basta olhar para o tédio profundo de Transformers e outros filmes em que tudo explode. Verbalmente e imageticamente, pode-se dizer que BlackBerry gasta tempo demais explodindo também.
O terceiro efeito, decorrente dos anteriores, reside na primazia da sensação sobre a reflexão. Avesso ao distanciamento, esta forma de cinema-síncope busca captar o espectador através dos estímulos mais evidentes: a ansiedade, a confusão, o espanto, a excitação, o horror, o medo, a raiva, a surpresa. Terminada a volta na montanha-russa, o que resta ao viajante? Em outras palavras, o que a obra teria a dizer, a respeito deste caso, para além de nos informar sobre a sua existência? Seria o mero orgulho patriótico de nos dizer que o Canadá também teve seu Steve Jobs?
No elenco, os atores se esforçam para compor o ponto de vista assumidamente caricatural proposto pelo diretor Matt Johnson (que interpreta Doug, um dos co-criadores da empresa, e coadjuvante de maior tempo de tela). O autor descreve todos os jovens desenvolvedores do BlackBerry como paspalhões imaturos, incapazes de compreender a seriedade dos negócios. Já os empresários correspondem, sem exceção, à figura de administradores sedentos por dinheiro e dispostos a qualquer falcatrua para ascender no ramo.
O maniqueísmo, justificado em partes pelo tom cômico, reforça o ponto de vista do bom selvagem: aqui, Mike e Doug nascem puros e repletos de talento, até que o mundo de ações, vendas e especulações os corrompa. É muito difícil permanecer íntegro neste meio, cabendo se afastar quando o jogo se torna sujo demais — curiosamente, o diretor oferece a si próprio o papel de homem mais fiel aos seus princípios, enquanto os demais o decepcionam. Há uma visão simples, que se pretende crítica em relação ao meio, mas não consegue evitar a glamurização dos gênios da tecnologia. O filme visa criticar o sistema, mas não se priva de elogiar aqueles que jogam o jogo.
A experiência melhora na segunda metade, quando o stoner movie cede espaço a um suspense mais tenso. Conforme os empresários de Harvard tomam conta dos negócios, eles também monopolizam a trama, que deixa seus jovens em segundo plano. A câmera se acalma um pouco, permitindo instantes esparsos de hesitação ou contemplação. Caso percebesse a tensão da precariedade, desde o começo (quando Mike e Doug estão afogados em dívidas) até o final (quando o sucesso pode ser interrompido a qualquer momento), talvez os produtores oferecessem um ponto de vista mais complexo do capitalismo que aspira estudar.
Por fim, o cinema norte-americano ainda nutre uma relação tão saudosa com gigantes da tecnologia e com os self made men que se prova incapaz de realmente questioná-los em suas atitudes. Matt Johnson e sua equipe trazem uma “ficcionalização” dos fatos (segundo os letreiros) porque acham a história interessantíssima, empolgante, excitante. Eles nunca demonstram o estranhamento mínimo para analisar o vício deste sistema corrompido em suas nuances e relações político-sociais. Até por isso, gêneros como o terror têm se mostrado muito mais férteis no retrato do pesadelo da tecnologia se voltando contra homens ambiciosos — vide o excelente Ex_Machina: Instinto Artificial.