Du Bist So Wunderbar (2023)

Tragicomédia da vida privada

título original (ano)
Du Wist So Wunderbar (2023)
país
Alemanha, Brasil
gênero
Comédia
duração
17 minutos
direção
Leandro Goddinho, Paulo Menezes
elenco
Murillo Basso, Greta Amend, Cleo Spiro, Márcio Reolon, Blake Kendall, Dilan GeZaza, Daniel-Ryan Spaulding, Zoe Valentini
visto em
Festival de Locarno 2023

Edu está em crise. Este brasileiro vive na Alemanha, mas ainda não domina a língua. Após o recente término com o namorado, precisa encontrar outro local para morar, tendo em vista um prazo próximo. No mesmo dia em que protestos tomam as ruas de Berlim contra o aumento no preço dos aluguéis, ele agenda uma série de entrevistas de apartamento. Em paralelo, descobre um sangramento anal, embora não possua cobertura de um plano de saúde devido ao trabalho mal remunerado como faxineiro de uma sauna. Por telefone, descobre que o pai está internado no Brasil, em estado possivelmente grave.

Os diretores Leandro Goddinho e Paulo Menezes condensam uma quantidade imensa de conflitos em apenas 17 minutos. A mesma premissa poderia dar origem a um melodrama de grandes proporções, ou talvez a um drama social em moldes franceses (pense na produção dos irmãos Dardenne, na veia de Dois Dias, Uma Noite). Ora, a dupla prefere a chave da comédia do absurdo. A experiência do divertido curta-metragem estabelece paralelos com uma narrativa kafkaiana, ou talvez um dos contos de Luis Fernando Veríssimo. O que pode dar errado, dará. Mesmo assim, o personagem segue em busca de contato amigável, do contrato do apartamento, do prazer sexual. Ele está em perpétuo movimento.

A noção do movimento impera ao longo do filme frenético. A inúmeras cenas são curtas, e interrompidas pela montagem antes da conclusão das ações — às vezes, no meio de uma frase. Sons fora de quadro (vide a conclusão) simbolizam o inferno carnal e estrutural onde se encontra Edu. O excelente Murillo Basso, no papel principal, transmite uma naturalidade impecável neste corpo em deslocamento, nas falas com amigos, na sedução com o possível locatário, num nível raramente percebido em curtas-metragens narrativos. O personagem se desenvolve bem em seus objetivos, modos de agir, temperamento. Poucos minutos são suficientes para conhecê-lo. 

Além disso, os criadores demonstram um traquejo ímpar para resgatar o teor da fala entre amigos gays, contemporâneos, urbanos. As gírias, o tom da conversa, o texto em si soam próximos do improviso, tanto pela qualidade do roteiro, quanto pela capacidade de Basso em se apropriar do material. Aqui, as situações são absurdas, mas os personagens, não. Adota-se a precaução fundamental de rir das circunstâncias, mas jamais fazer chacota com o rapaz que, afinal, atravessa um instante de desconforto profundo. Existe evidente respeito por sua subjetividade e sua situação de precariedade num país distante.

O sintoma de todos os males se traduz, de imediato, no corpo. Há imagens de fezes numa poça de sangue; ejaculação na cara; duas cenas de personagens urinando. Estes jovens correm entre metrô e escadaria; fazem sexo, fogem da repressão policial nas ruas. A sensação de não-pertencimento (por ser estrangeiro, gay, vegetariano, artística sem reconhecimento, sem dinheiro, sem dominar o alemão) se traduz de modo apoteótico no corpo que tudo vivencia ao longo de poucas horas de périplo berlinense.

Ainda há espaço para sequências hilárias incluindo os locatários preconceituosos, bagunceiros ou drogados, além de uma composição lúdica do ator e cineasta Márcio Reolon no papel de um jovem berlinense. Sugerem-se pulsões contrárias (o prazer dos homens na sauna equivalendo ao inferno de Edu, que precisa limpar o chão depois) através de uma câmera que chacoalha e se apressa a exemplo do protagonista, porém sem chamar atenção para si própria. Nota-se o controle precioso do ritmo e do discurso, para uma obra a respeito de marginalidades sociais.

No final, o espectador se depara com uma comédia sobre pessoas sérias, uma sequência interminável de infortúnios sucedidos a um rapaz esforçado, a quem se solicita identificação e empatia. Finalmente, o humor físico obtido a partir de personagens gays não pede que eles se ridicularizem em cena, apenas percebam o sistema ridículo no qual se encontram. Goddinho e Menezes se provam excelentes cronistas, produzindo um humor tão catártico quanto politizado.

Du Bist So Wunderbar (2023)
9
Nota 9/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.