Licorice Pizza (2021)

Amores neuróticos

título original (ano)
Licorice Pizza (2021)
país / Gênero
EUA, Canadá / Comédia, Drama, Romance
duração
133 minutos
direção
Paul Thomas Anderson
elenco
Alana Haim, Cooper Hoffman, Sean Penn, Bradley Cooper, Tom Waits, Este Haim, Danielle Haim, Skyler Gisondo, Benny Safdie
visto em
Cinemas

Licorice Pizza (2021) é um filme com pressa. Seus personagens estão sempre correndo, às vezes em duas, três cenas consecutivas. Ninguém os persegue, nem estão apressados para um compromisso inadiável. Alana (Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman) partem em toda a velocidade pelas ruas do Vale de São Francisco movidos por um sentimento de urgência muito particular à juventude — seja a adolescência dele, seja a entrada na fase adulta para ela.

A dupla corre para comemorar, para encontrar a pessoa amada, pela felicidade de se livrarem de um problema burocrático, mas acima de tudo, correm por correr, pelo imperativo do movimento. O diretor Paul Thomas Anderson sempre gostou das disparadas frenéticas, inseridas de maneira inesperada no interior de filmes avessos à ação (vide Embriagado de Amor, 2002). Neste caso, os protagonistas têm como único objetivo amar e ser amados, morrerem de ciúme ou sentirem inveja um do outro — conflitos incompatíveis com o cinema do espetáculo.

Mesmo assim, o cineasta acredita que revoluções íntimas constituam matéria suficiente para uma abordagem grandiosa, longa, detalhada, repleta de luzes e atores prestigiosos em papéis coadjuvantes. O amor se transforma em potente motor cênico: a única pulsão levando Alana e Gary adiante diz respeito à paixão súbita. Na primeira cena, ele tenta conquistá-la, e todas as sequências, durante 133 minutos de duração, estarão associadas à dinâmica de atração e repulsa.

Por constituir, em sua grande maioria, um filme de amor sem beijo nem sexo, o autor permite que o projeto se assemelhe ao road movie, o buddy movie, às comédias do absurdo e do realismo fantástico. Estes amantes fracassados constituem figuras comuns num universo mágico: enquanto buscam pequenos bicos no cinema, na política e no comércio, convivem com um produtor bêbado pulando fogueiras com sua motocicleta (Sean Penn), uma apresentadora de espetáculos infantis que detesta crianças (Christine Ebersole), o proprietário de um restaurante japonês cuja relação com o Japão se limita ao preconceito e o fetiche erótico (John Michael Higgins), um astro excêntrico de comportamento predatório com as mulheres (Bradley Cooper), e um político que dedica a sua energia a uma campanha falida (Benny Safdie).

O universo se encontra deslocado, pairando alguns graus acima do realismo, misturando num único caldeirão a política, a religião, o mundo do espetáculo e das finanças. Para os personagens, atuar num comercial, vender colchões d’água ou gravar o vídeo de um candidato às vésperas da eleição constituem atos de valor equivalente. Enquanto isso, recebem via televisão e rádio notícias sobre guerras americanas em países asiáticos, ou medidas drásticas tomadas pelos presidentes. Aqui, é a sociedade que atravessa os planos ambiciosos de Gary e Alana, invadindo as suas casas e revelando as fissuras nacionais. Aos protagonistas, teria sido conveniente dedicar-se apenas um ao outro.

Outro aspecto de destaque na produção diz respeito à estrutura episódica. O autor nunca tinha se consagrado a uma narrativa tão segmentada em subtemas separados: inicialmente, Licorice Pizza mergulha de cabeça nos planos de Gary em se tornar ator. Com um corte na montagem (e um amplo salto temporal), os planos foram abandonados. Entram em cena os negócios de venda de colchões d’água, as máquinas de pinball, a campanha política.

Quando um destes núcleos entra em cena, com atenção impressionante para os detalhes (vide a rica construção de direção de arte), o anterior é praticamente abandonado. A montagem opera com facilidade as passagens temporais, que ocorrem sem aviso em letreiros, nem via diálogo. Num corte simples, descobrimos que os negócios fracassaram, passaram-se meses e os heróis seguiram adiante.

É compreensível que um filme neurótico sobre figuras impulsivas e inconsequentes se mova de maneira abrupta, sem tempo de olhar para trás. Gary e Alana apaixonam-se também por ideias, e uma vez confrontados ao fracasso, dedicam pouco tempo ao luto desta iniciativa — basta pular à próxima que se apresenta. O drama mergulha no conceito de circuito desejante que nunca pode se interromper: é preciso encontrar um novo objeto de desejo, tão idealizado quanto inalcançável. Uma vez conquistado de fato, ele perde o interesse, revela-se real, mundano, precisando ser substituído pelo próximo. 

Ao espectador, estas guinadas podem soar pouco coesas, ou desniveladas — alguns críticos julgaram o episódio da política mais fraco, enquanto outros apontaram a rapidez com que se passa pela loja Tiny Toes. Aponta-se o distanciamento excessivo da mãe do garoto adolescente, ou a falta dos círculos sociais perto de Alana, descrita como popular e extrovertida. O roteiro busca equilibrar elementos demais, atividades em excesso, dentro de uma narrativa inchada — cabendo ao espectador determinar em que ponto o jogo do te-quero-não-te-quero-mais entre a dupla soa redundante.

É compreensível que um filme neurótico sobre figuras impulsivas e inconsequentes se mova de maneira abrupta, sem tempo de olhar para trás.

De qualquer modo, o diretor impressiona pelo domínio da linguagem. As premiações da indústria costumam recompensar cineastas vaidosos, que surpreendem com os malabarismos da câmera, junção improvável entre cenas ou a atuação catártica de seus atores. Ora, o plano-sequência inicial de Licorice Pizza ocorre de maneira tão precisa quanto discreta, algo que se repete na maneira comedida como Paul Thomas Anderson filma as cenas de humor físico (o corpo no colchão d’água, a trombada de amantes que correm em direção ao outro).

Os atores possuem prestações homogêneas, tanto para os iniciantes, quanto para os veteranos. As falas soam naturais, algo difícil para um mecanismo rigidamente roteirizado. Alguns projetos de comédia apostam no valor da espontaneidade, e outros, no controle absoluto da cena. O diretor tende ao segundo. Ao atribuir leveza e respiro a uma estrutura rígida, misturando o amor romântico à reconstrução da identidade dos Estados Unidos durante o fim da Guerra do Vietnã (Gary representando o pragmatismo republicano, e Alana, o idealismo democrata), o resultado demonstra a complexidade e a inteligência de seu humor.

Licorice Pizza (2021)
7
Nota 7/10

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