Lista de Desejos para Superagüi (2023)

Silêncio na ilha

título original (ano)
Lista de Desejos para Superagüi (2023)
país
Brasil
linguagem
Documentário
duração
72 minutos
direção
Pedro Giongo
com
Olivares Gomes (Martelo), Valdemir Matias Gomes (Cajá), Marcell Squenine, Dilma Muniz Miranda (O Rouxinol), Edmir Cardoso, Marilsa Matias Pereira
visto em
27ª Mostra de Cinema de Tiradentes (2023)

Em mais de um veículo de imprensa, Lista de Desejos para Superagüi foi descrito como “documentário de observação”. Compreende-se a intenção do crítico através dessa nomenclatura. O termo costuma indicar uma abordagem do cinema na qual se minimiza a intervenção direta no meio. Por isso, somem as entrevistas, os letreiros explicativos, as narrações em off descrevendo o local e os conflitos dos personagens. Por esta perspectiva, a câmera se abriria, e captaria somente aquilo que se encontra à sua frente.

Ora, há um incômodo aspecto de passividade nesta designação. Por menos intrusivo que seja o dispositivo cinematográfico no meio, ele jamais se limita a filmar a vida tal qual. A impressão de objetividade ou de diminuição de pessoalidade nestes casos soa ilusória — ela nem seria possível, nem desejável numa construção artística. A simples existência de uma câmera diante de um cenário implica numa escolha de enquadramentos, de luz, de duração dos planos e, posteriormente, de agenciamento com outros sons e imagens via montagem.

Logo, a “observação” no filme de Pedro Giongo está distante de um olhar meramente contemplativo ou indiferente à ilha paranaense de Superagüi. O cineasta sabe exatamente o que procura, e quais aspectos ressaltar entre tantas possibilidades ofertadas pelo local. Assim, evita o viés da reportagem (de cunho fatual e informativo, do tipo “você precisa saber”), enquanto foge à perspectiva etnográfica, de descrever o outro em função de sua diferença em relação a nós. A equipe estabelece bom posicionamento cinematográfico e ético: nem finge ser um morador a mais, nem os observa à distância, evitando se intrometer. Torna-se cúmplice, uma espécie de parceira atenta.

Resta a melancolia de uma insatisfação crônica com o estado das coisas. Os personagens cogitam se mudar, fugir da ilha. Mas para onde iriam?

O autor presencia o dia a dia dos habitantes neste local onde não se pode plantar e, durante alguns meses do ano, também não se recebe a autorização para pescar. Por ser considerada Reserva da Biosfera e Patrimônio da Humanidade pela Unesco, a região possui uma série de limitações quanto ao uso das terras e do espaço. Ora, como viveriam os pescadores, sem direito à pesca? Alguns burlam as leis, é claro. Outros insistem nas devidas indenizações do Estado.

Aos poucos, desenha-se um protagonista: Martelo (Olivares Gomes), senhor idoso que luta pelo direito à aposentadoria. Após a recusa inicial de seu pedido, insiste junto à justiça pelo reconhecimento de décadas de trabalho. Mesmo assim, a montagem jamais permite que a narrativa se concentre excessivamente nele: a cada sequência focada no protagonista, acompanha, em paralelo, as mulheres desempenhando um curioso trabalho voluntário (remunerado com brindes), ou então a natureza. A estrutura se divide em dois episódios claros: a abertura para a pesca, e o inverno.

A lista de desejos mencionada no título se converte num objeto real. Cabe ao pescador veterano elencar os pedidos lançados ao além, tão sinceros quanto vagos: ele pede uma canoa, a felicidade, e “que tudo volte a ser como era antes”. Ora, o filme jamais explora o antes, ou o sentimento de nostalgia por este passado desconhecido. Resta a melancolia de uma insatisfação crônica com o estado das coisas. Os personagens cogitam se mudar, fugir da ilha. Mas para onde iriam? Com qual dinheiro? Assim, permanecem.

O documentário articula imagens plácidas, posadas, de uma poesia minúscula. Em uma cena roteirizada, uma folha de árvore se converte magicamente na nota de 200 reais, interpretada, em tom jocoso, enquanto elemento mítico. Adiante, fotografias still, em preto e branco e cores, captam instantes de felicidade dos habitantes diante da televisão, ou nas reuniões com familiares. Os planos são fixos, bem compostos em termos de enquadramento e luz, rejeitando qualquer forma de urgência ou improviso. É evidente que Giongo tinha tempo e anuência dos personagens para compor a imagem como quisesse. Afinal, as coisas não pareciam mudar tão cedo por ali. 

Filmar Superagüi se converte na tarefa de filmar um tempo que não passa. Registram-se as águas e as árvores, as pessoas, e também os problemas financeiros e econômicos perenes. As estações se alternam sem grandes transformações na vida das figuras retratadas. A insatisfação se deve, em partes, à sensação de inércia na bela região, tão protegida quanto descuidada; tão preciosa quanto desconhecida; tão vigiada quanto esquecida. Estas contradições estão presentes, de maneira eficaz, nas composições elegantes do diretor de fotografia Renato Ogata.

Ora, tamanha polidez resulta numa experiência árida, ou talvez propícia a uma apreciação mais racional do que emotiva. É difícil apontar uma única imagem de destaque em meio à exibição linear e voluntariamente monótona de paisagens (naturais e humanas). Não existe uma sequência sequer de maior impacto emocional, de ousadia no uso da câmera, de fricção política através da montagem. Nem mesmo a aguardada audiência judicial eleva a temperatura das vivências.

Lista de Desejos para Superagüi se encerra na condição de uma ótima produção em termos plásticos, apresentando um profissionalismo exemplar a partir de um orçamento visivelmente limitado. No entanto, soa como o aluno mais esforçado da turma, com notas altas, e do qual talvez se guarde uma lembrança modesta após a formatura. Afinal, nunca radicalizou, numa sobressaiu à norma, nunca enfrentou limites, códigos ou barreiras. Cumpriu aquilo que se esperava dele. Para o cinema, tal qualidade constitui um mérito agridoce.

Lista de Desejos para Superagüi (2023)
7
Nota 7/10

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