Maçãs no Escuro (2023)

A comédia do amadorismo

título original (ano)
Maçãs no Escuro (2024)
país
Brasil
gênero
Comédia
duração
108 minutos
direção
Tiago A. Neves
elenco
Edson Aquino, Mônica Rodrigues, Yago Lima, Ramon Martins, Tommy Germain, Malick Kimberly, Mario Laguno, Charles Ramos, Danielle Viana, Samuel Santos
visto em
27ª Mostra de Cinema de Tiradentes (2024)

Este projeto parte de plena consciência de suas deficiências de produção. Desde a cena inicial, saltam aos olhos (e ouvidos) os problemas de som, de fotografia, de montagem. Tiago A. Neves e sua equipe conhecem as limitações desta construção audiovisual. Maçãs no Escuro nunca passa por uma obra onde as falhas são ocultadas com vergonha, ou minimizadas com o uso de enfeites (trilha sonora alta, teor emotivo pronunciado, etc.). Portanto, o apontamento das lacunas se torna menos uma crítica do que uma constatação — pressupõe-se — bastante consensual.

Partindo deste contexto, haveria duas alternativas, pelo menos, face à precariedade: a primeira diz respeito a exagerá-la, chamar atenção a si própria, numa extrapolação que abraça a precariedade enquanto motivo de orgulho. Em outras palavras, um cinema pequeno que se orgulha de sua condição e converte as falhas num espetáculo de afronta ao gosto médio — pense em Paixão Sinistra, por exemplo.

A segunda reside em nem disfarçar, nem se orgulhar da marginalidade. Apenas seguir em frente, fingir que os problemas não estão lá. Sim, alguns personagens não estão microfonados e suas falas se tornam inaudíveis. Sim, a iluminação para as cenas noturnas se mostra insuficiente (vide o cartaz oficial ao lado). A montagem se arrasta, teima em encontrar dinamismo em determinadas cenas. Fazer o quê? Paciência.

Os criadores ainda parecem tatear o terreno na hora de escolher sua maneira bufona e inconsequente de lidar com o real — seja abraçando-o enquanto tal, seja recriando-o, ou ainda o parodiando.

Os profissionais do CIMM — Cinema no Meio do Mundo têm optado pela segunda alternativa. Em Cervejas no Escuro (2023), esforçavam-se até demais para fazer rir em cenas longuíssimas (a filmagem na sala de casa, a briga com o historiador). Havia uma preocupação em converter o falso filme numa catástrofe colossal, digna de escárnio graças à incapacidade daquela gente tão ingênua em se passar por profissionais. Seria possível apontar inclusive certo paternalismo no que diz respeito à ignorância dos personagens quanto ao mundo codificado e elitista do audiovisual.

Agora, seguem no escuro, embora troquem o elemento de consumo. Maçãs no Escuro constitui um avanço em relação ao projeto anterior. Menos insistente nas gags, e menos preocupado em obter o riso a qualquer custo, aposta numa narrativa mais simples e orgânica. De fato, algumas cenas ainda se arrastam (a conversa no bar, com salgadinhos e cerveja; a piada sobre bater laje ou fazer cinema), e determinadas piadas jamais encontram o alvo (a estátua parecida com Madonna, a menção a Falabella). No entanto, a maioria das sequências se integra naturalmente ao percurso do ator Edson Aquino, protagonista desta autoficção.

O motivo do falso filme persiste: no segundo longa-metragem, são cineastas de origem africana que buscam elaborar um projeto a respeito do dramaturgo em decadência pessoal, financeira e artística. Nunca se compreende ao certo quem seriam os visitantes, qual o objetivo real da empreitada, de onde surgiria o financiamento, como tiveram conhecimento do biografado. É difícil crer por um segundo sequer na concretização do filme-dentro-do-filme. Talvez por isso, Neves prefere esquecer os diretores fictícios. Menciona-os a princípio, para depois retirá-los de cena. 

É difícil apontar qual seria a melhor escolha: criar uma falsa premissa, apenas para ignorá-la em seguida, ou sublinhá-la à saturação, como era o caso do projeto anterior. De qualquer maneira, o conceito se estrutura numa dinâmica de oposições e inversões claras entre o popular e o erudito, entre o profissional e o amador, entre o elegante e o rude. As piadas decorrem de alguém colocando vinho barato na garrafa vazia de um vinho melhor; comparando o preço da cerveja barata com outra mais cara; soando perdido durante uma fala, até citar pensadores e dramaturgos de respeito. 

Logo, brinca-se com a aparência de malandragem, a cordialidade à brasileira, o “jeitinho”. Os personagens de Neves constituem malandros contemporâneos, que fazem filmes sem conhecer o ofício; atuam sem saber atuar; traduzem sem entender inglês; deixam de comparecer a um espetáculo por inveja e preguiça. Terminam suas frases com “que merda”, “você é um bosta”, “que se foda”. Na hora do assalto, tentam negociar e provocar o assaltante; e quando questionados pela plateia por seus procedimentos artísticos, mandam tomar no cu.

A aparência de uma extensa conversa de bar com amigos, sem qualquer preocupação da ordem da vaidade ou do decoro, representa um dos elementos centrais nesta abordagem popular. Outro aceno ao gosto médio reside na atenção a marcas e ícones conhecidos da cultura brasileira. Os protagonistas falam em Netflix, Bradesco, Lei Aldir Blanc, CNPJ, Cocoricó, Mundo da Lua, Skol, Puro Malte. A identificação do espectador é facilitada em meio à briga entre salgadinho Torcida ou outro de bacon; à preguiça de abrir firma em cartório; às evidentes mentiras e exageros que contam para se vangloriar.

Quanto mais a direção permite a espontaneidade do elenco, melhor. Posto que buscam explicitamente a impressão de realidade e a estética do amadorismo, que deixem a trama vibrar, então, com as interações despojadas entre amigos. No entanto, os instantes mais roteirizados enfraquecem o resultado — vide a cobrança da atriz à porta de Edson, convertida em diálogo teatral. 

Logo, a falsa espontaneidade, construída para soar como tal, rebaixa um procedimento que respira melhor quando simplesmente incorpora elementos do mundo à sua volta. A cena nonsense da maçã no escuro, que justifica o título, se torna muito menos expressiva do que uma mãe provocando os filhos quanto à sua visão de futuro. Os criadores ainda parecem tatear o terreno na hora de escolher sua maneira bufona e inconsequente de lidar com o real — seja abraçando-o enquanto tal, seja recriando-o, ou ainda o parodiando. Mas o caminho desperta otimismo. 

Maçãs no Escuro (2023)
5
Nota 5/10

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