Nintendo e Eu (2020)

Aqueles bons tempos que não voltam mais

título original (ano)
Death of Nintendo (2020)
país
EUA, Filipina, Singapura
gênero
Comédia, Drama, Infantil
duração
99 minutos
direção
Raya Martin
elenco
Noel Comia Jr., Agot Isidro, Moi Marcampo, John Vincent Servilla, Mailes Kanapi, Cayden Williams, Kim Chloe Oquendo, Jigger Sementilla, Nikki Valdez, Elijah Alejo, Jude Matthew Servilla, Ramon Bautista
visto em
Cinemas

Num núcleo de pré-adolescentes filipinos, é tempo de férias. Os meninos passam os dias jogando videogame, pensando em garotas, treinando basquete e compartilhando a vontade de se tornarem adultos logo. Seu universo de fuga corresponde ao consumo de produtos estrangeiros, com foco nos Estados Unidos: eles vestem tênis da Nike, compram consoles da Nintendo, bebem Coca-Cola, folheiam revistas Playboy, fumam cigarros Philip Morris, compram carne enlatada Spam, e veneram Magic Johnson. Muitos deles falam inglês com bastante desenvoltura. 

O diretor Raya Martin se foca no segmento de classe média-alta. O único amigo da turma com dificuldades financeiras ocupa a posição de coadjuvante, e será definido apenas por essa característica: a penúria e a proximidade com o crime, devido à falta de oportunidades. Os demais relaxam à tarde em seus quartos amplos e confortáveis, repletos de brinquedos e roupas de marca. Em comum, vivem em famílias monoparentais, comandadas apenas pelas mães. Os cuidados destas crianças ficam a cargo destas mulheres, junto a babás e governantas.

Já o roteiro se desenvolve como uma crônica afetuosa do período de formação. Adotando o ponto de vista incondicional dos garotos, busca justificar atos de rebeldia (a fuga de casa à noite para ver a garota dos sonhos), as primeiras dores (o bullying dos valentões do colégio) e os mitos sobre a fase adulta (a crença na circuncisão como ritual de amadurecimento). Há uma quantidade assumida de ingenuidade, idealização e ignorância no dia a dia do grupo inseparável de amigos.

Por um lado, o texto demonstra verdadeiro conhecimento de causa. É evidente que o autor se identifica com estes meninos, e também passou sua juventude nos anos 1990. Ele incorpora detalhes preciosos enquanto índices de verossimilhança: o ato de soprar os cartuchos antes de colocar no console; o medo de marcar o tênis branco ao sair da rua pela primeira vez; as lendas urbanas contadas por adultos enquanto cautionary tales. Muitos espectadores de classe média na faixa dos 30-35 anos, de quaisquer países, poderão se identificar com esta realidade.

Nintendo e Eu oferece uma aventura agradável, ágil e também pouco memorável. Ela relembra os anos 1990 e a infância como quem redescobre um álbum de retratos, marcado apenas por sorrisos, abraços e viagens.

Por outro lado, a despretensão provoca uma experiência leve até demais. Martin demonstra intenção nula de criar imagens marcantes, de investir numa linguagem provocadora ou de sugerir alguma ferida a longo prazo na trajetória dos jovens heróis. Ele privilegia uma dinâmica alegremente inconsequente, do tipo que perdoa a tudo e todos pela pureza que se supõe inerente ao coração das crianças. O naturalismo se mistura à idealização, e à romantização destes “bons tempos que não voltam mais”. Apoiando-se na memória afetiva, a trama acentua os traços que lhe convém, ocultando, em contrapartida, aqueles que não parece interessante desenvolver.

Assim, Nintendo e Eu (uma tradução curiosa para o original, Death of Nintendo) resulta num olhar tão gentil quanto inofensivo ao período repleto de prazeres, mas também de angústias. A sociedade da época soa tolerante; a política institucional está longe da vida das crianças e dos adultos; e os dilemas do núcleo pobre (a mãe prostituta, o irmão mais velho, envolvido com o tráfico) são transformados em mera diversão. É ótimo que Martin resgate a leveza desta fase, porém soa menos louvável que ele trate aspectos graves da sociedade com o mesmo humor lúdico.

A direção de fotografia acompanha a estética de sonhos. As imagens de Ante Cheng são profundamente nítidas, multicoloridas, artificialmente iluminadas. Dentro dos quartos bagunçados, cada objeto possui sua fonte própria de iluminação, enquanto lá fora, uma luz azulada, bastante teatral, representa a chegada da noite. Os cômodos recebem uma decoração tão polida e asséptica (paredes impecáveis, cores limpas, objetos novos) que conferem à integralidade dos espaços a aparência de estúdios. 

Logo, o projeto navega entre as estéticas da publicidade e do videoclipe dos anos 1990. Embora a escolha se justifique pelos conteúdos audiovisuais que circulavam na época, ela resulta mais questionável enquanto filme dos anos 2020. Há tamanha adesão às maravilhas da juventude de antigamente que nenhum questionamento soa possível. Martin vende a adolescência enquanto um produto funcional, revolucionário, mágico, maravilhoso. A fantasia nunca está muito longe — vide o contato com assombrações no cemitério e a reunião com o curandeiro para a circuncisão.

Rumo ao final, o protagonismo que pertencia quase exclusivamente a Paolo (Noel Comia Jr.) migra para a garota Mimaw (Kim Chloe Oquendo), sem que a montagem ou a direção justifiquem esta guinada a contento. Os efeitos sonoros de videogame, a inconsequência das narrações e as conveniências narrativas (os adultos controladores, porém afetuosos) resultam na impressão de que os conflitos não passam de um pequeno teatro entre as crianças, uma evocação quase ilusória de seus desejos para a fase adulta. A puberdade, os romances e os primeiros delitos possuem a doçura acentuada do cinema infantil.

Ao mesmo tempo, a descrição das mães e as brigas com os filhos remetem ao nosso imaginário das telenovelas — exageradamente dramáticas, focadas em diálogos e nos close-ups, ao invés de valorizarem metáforas ou espaços. Os garotos sabem cumprir as ações desejadas pelo cineasta, transmitindo o misto de incerteza e jovialidade esperado desta fase de crescimento. Nintendo e Eu oferece uma aventura agradável, ágil e também pouco memorável. Ela relembra os anos 1990 e a infância como quem redescobre um álbum de retratos, marcado apenas por sorrisos, abraços e viagens. Os instantes traumáticos, caso tenham acontecido, ficam fora de quadro.

Nintendo e Eu (2020)
5
Nota 5/10

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