Papai É Pop (2021)

Não se nasce homem; torna-se

título original (ano)
Papai É Pop (2021)
País
Brasil
gênero
Comédia dramática
duração
108 minutos
direção
Caíto Ortiz
elenco
Lázaro Ramos, Paolla Oliveira, Elisa Lucinda, Leandro Ramos, Dadá Coelho, Thiago Justino, Richard Cardoso
visto em
Cinemas

As melhores partes desta comédia dramática se encontram no terço inicial. Num primeiro momento, Tom (Lázaro Ramos) e Elisa (Paolla Oliveira) dividem o protagonismo da aventura, na função de pais de primeira viagem. A câmera segue com um olhar solidário os conflitos de ambos, exaustos com as noites mal dormidas, preocupados com o bem-estar do bebê e irritados na hora de dividir tarefas. 

Este segmento ameaça enveredar pela crônica da sobrecarga feminina no que diz respeito aos cuidados com os filhos. Com estilo adolescente, atrapalhado e pouco responsável, Tom acredita ter o direito de sair com frequência para jogar futebol com os amigos, enquanto Elisa assume a maioria dos cuidados com a filha. Sem maniqueísmos, nem caricaturas fáceis, o segmento de abertura aponta para o questionamento do machismo brasileiro, para quem o pai presta “ajuda” à mãe com o bebê, sem carregar uma responsabilidade equivalente.

Os atores ajudam neste processo. O rapaz imaturo poderia se converter facilmente num personagem desagradável, caso Lázaro Ramos não o interpretasse com tamanho senso de empatia e carinho. Paolla Oliveira também evita se transformar na mulher-vítima ou, em chave oposta, numa carrasca histérica. É evidente o amor da dupla de personagens, além do desgaste provocado especificamente pela chegada de uma criança. Neste sentido, será fácil para espectadores de classe média se identificarem com esta realidade.

O diretor Caíto Ortiz embala este material na linguagem típica das comédias românticas, na qual duas pessoas apaixonadas brigam por algum motivo fortuito, até perceberem a dificuldade de ficar separadas. Há trilha sonora em doses generosas, junto a alguns diálogos explicativos para garantir a compreensão do público médio (“Você paga a maioria das contas aqui de casa, amor”). Em paralelo, exageram-se os símbolos para reforçar o humor das cenas cômicas, e o pesar das cenas tristes (a crise de choro no carro, somada à chuva torrencial e à melodia piedosa).

Papai É Pop jamais pretende inovar a linguagem, nem subverter o roteiro desta forma de cinema indie, preocupando-se somente em adaptá-lo à realidade brasileira.

Papai É Pop jamais pretende inovar a linguagem, nem subverter o roteiro desta forma de cinema indie, preocupando-se somente em adaptá-lo à realidade brasileira. Existe o amigo malandro, fanático por futebol; a amiga desbocada; a sogra gentil que se esforça em ajudar; o porteiro que cuida sozinho de um menino e acena à questão da monoparentalidade. Os criadores se esforçam em efetuar o panorama de um Brasil amplo a partir da jornada da dupla central.

O principal mérito da obra se encontra nesta vontade de se posicionar enquanto “filme do meio”, capaz de agradar tanto aos críticos quanto ao público, obtendo uma bilheteria expressiva sem recorrer às facilidades do humor caricato. O cinema nacional tem elaborado boas iniciativas nesta vertente, fundamentais à qualquer indústria audiovisual — mas infelizmente ótimos exemplares como Eduardo & Mônica parecem ter sido prejudicados pela estratégia de lançamento. De qualquer modo, a produção da Galeria Distribuidora tem potencial de conquistar o espectador amplo com um projeto de qualidade. 

Apesar de tamanhas qualidades, o filme se enfraquece com o desenvolvimento da trama. Em primeiro lugar, é questionável o deslocamento do protagonismo para a figura paterna. Certo, o título anunciava esta guinada, porém a perspectiva passa a ser de condescendência com os erros masculinos. Tom se torna um pai ainda melhor porque havia demonstrado um comportamento reprovável no começo. Ele se converte na figura do pai herói, irretocável e professor de outros homens em situação semelhante.

A transformação dos personagens soa abrupta demais. Um golpe do destino aproxima Tom do pai que o abandonou. As falas deste sujeito são exatamente as mesmas proferidas por Tom alguns minutos mais cedo, para escancarar a repetição de conduta do filho. Na saída do encontro traumático e reparador, ele já se redimiu por completo — é preciso que a causa e a consequência venham em cenas consecutivas, de maneira a reforçar a relação entre ambos. Esta simplificação limita a psicologia dos personagens e revela a crença pouco animadora na capacidade do público em compreender sutilezas.

Além disso, como se a redenção do macho negligente não fosse suficientemente clara, o roteiro lhe fornece a possibilidade de ser um pai ainda mais nobre e corajoso quando uma tragédia bate à porta. Tom é alçado a uma figura nobilíssima, o primeiro a abraçar a chegada de uma nova criança sem questionar desgastes financeiros ou psicológicos desta empreitada. Não basta corrigir dos erros do homem, é preciso engrandecê-lo até ele tomar decisões que nem mesmo a corajosa mãe tomaria com tamanha espontaneidade.

A figura masculina consagra seu empoderamento paterno através de um canal no YouTube, onde expõe suas dificuldades e adquire uma fama quase instantânea. O número de cliques cresce; a mulher descrente o perdoa; tudo se resolve a partir desta exposição da intimidade via redes sociais. Papai É Pop acredita numa espécie de masculinidade-espetáculo, com aspecto de coach dotado com lições a passar — o “novo homem” critica duramente o colega negligente pelo comportamento que ele próprio manifestava até poucos dias atrás.

Por fim, o eixo se desloca da relação desigual entre gêneros para um engrandecimento da figura masculina, enxergada enquanto verdadeira vítima dos fatos. Sim, Elisa precisava de maior participação do marido na criação da filha, mas pobre Tom, que nunca foi ensinado a ser pai! Pobre sujeito que, em virtude dos traumas paternos, não tinha outra alternativa, exceto a ameaça de abandono da própria filha! Ninguém ensinou Tom a ser pai, pobre garoto. Por isso, ao crescer, com esforço da esposa e da mãe, ele abandona o jeito adolescente, corta o cabelo, passa a agir de nova maneira. 

Por trás de todo homem existe uma grande mulher, ou algumas grandes mulheres, parece sugerir o longa-metragem, reforçando uma forma de ideologia condescendente, que dificilmente se adequa às relações de gênero na contemporaneidade. Ora, o filme está preocupado demais em homenagear este homem para conferir devida atenção às mulheres por trás e ao lado dele. Talvez o verdadeiro “guerreiro” desta história seja um rapaz coadjuvante, a quem o roteiro dispensa da narrativa sem qualquer carinho real. Saiam da frente, pais solteiros e mulheres que criam os bebês sozinhas: a vez é dos homens cis, héteros e mimados pela mamãe, que realmente precisam de carinho.

Papai É Pop (2021)
6
Nota 6/10

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