33º Cine Ceará: Vícios e virtudes do cinema em formação

Pelas tardes do 33º Cine Ceará — Festival Ibero-Americano de Cinema, o público no Cinema do Dragão, em Fortaleza, pôde assistir a quatro curtas-metragens universitários no dia 26 de novembro, apresentados na Mostra Olhar do Ceará. Para os realizadores, esta constitui uma oportunidade rara de presenciar suas primeiras obras exibidas na tela grande do evento, participando do debate e recebendo comentários do público amplo.

É claro que, em comparação com os curtas-metragens exibidos nas mostras competitivas nacionais, mostram-se mais frágeis artisticamente. Mesmo assim, vale ressaltar que o cearense Circuito, de Leão Neto e Alan Sousa, selecionado para a competitiva nacional, decorre do mesmo laboratório de criação de curtas dos demais projetos da Mostra Olhar do Ceará. No entanto, analisados no contexto em que se inserem (enquanto experiências de artistas em fase de desenvolvimento de sua estética e narrativa), os quatro curtas apresentados na tarde de domingo apontam para os novos rumos do audiovisual cearense.

Terral, de Alisson Emanoel e Carol Cavalcante

Terral, de Alisson Emanoel e Carol Cavalcante, se concentra nas dores de uma mulher cujo marido se perdeu no mar. Ignorando as súplicas dos filhos para aceitar a morte e siga adiante, ela se resigna a dormir na praia e esperar pelo retorno do esposo. Apesar de uma frontalidade redutora da mise en scène (planos de conjunto abertos e parados, em frente aos personagens, que se contentam em conversar seus dilemas), o filme transmite a louvável vontade de fazer um cinema de personagens, voltado à expressividade e talento de seu elenco. Inclusive, a protagonista demonstra belo desempenho em frente às câmeras.

Alienígena, de Ricardo Peres e Wagner Lima Mendes, empresta ao imaginário da ficção científica a ideia de um alienígena chegando à Terra. Na verdade, trata-se de um homem cearense que retorna às suas terras, depois de muito tempo por São Paulo. A trilha sonora apela aos tons de fantasia, sublinhada pela tendência ao humor do absurdo. No entanto, esta metáfora da inadequação de um sujeito provavelmente homossexual se aproxima da ridicularização do herói, ao invés de se colocar ao lado dele. Borra-se a fronteira ética fundamental entre rir com ele e rir dele.

Alienígena, de Ricardo Peres e Wagner Lima Mendes

A Parte que Falta, de Nicole Nasser, aproveita algumas ferramentas do drama familiar e do road movie para promover o reencontro entre uma filha adulta e o pai idoso, quando a mãe-esposa se encontra à beira da morte. Trata-se de um motivo clássico dentro do cinema narrativo, incluindo problemas mecânicos no carro, pausas para ir ao banheiro e outros quiproquós clássicos dos filmes de estrada. Em contrapartida, a direção confia pouco em suas imagens. Ao invés de representar as dores, prefere verbalizá-las, explicar ao espectador por meio de diálogos: “Estamos há horas nessa estrada e você não fala dela!”, “Eu não quero você na minha vida!”, etc.

Falta a compreensão de que as imagens podem transmitir estes mesmos pensamentos sem reduzi-los. A questão do ponto de vista também precisa ser trabalhada: o curta se mostra indefinido entre adotar a perspectiva da filha, aquela do pai, ou de nenhum dos dois.

A Parte que Falta, de Nicole Nasser

Por fim, talvez a proposta cinematográfica mais arriscada tenha vindo de A Humanidade que me Resta, de Kieza Fran Nascimento (imagem em destaque acima). A diretora expõe seu corpo e suas dores através de um cinema-diário, onde confessa ao público, em voz over, seus dilema de saúde mental. Trata-se de um agenciamento mais livre entre som e imagens, permitindo repetições e desconexões capazes de dialogar com o estranhamento mencionado pela artista.

Ainda que a captação de fotografia e som seja extremamente frágil, parte destes registros se justifica pela tendência a um cinema-selfie, espécie de confessionário a quem interessar possa. O cinema brasileiro autoral e de baixo orçamento tem se apoiado até demais nos filmes autobiográficos em primeira pessoa, onde diretores e diretoras falam de si próprios e suas famílias, em um ambiente doméstico.

No entanto, colocado em perspectiva, veio desta obra uma radicalidade e liberdade mais interessante, em termos estéticos, do que os formatos mais convencionais experimentados pelos colegas.

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