The Ballad of Suzanne Césaire (2024)

Um feitiço

título original (ano)
The Ballad of Suzanne Césaire (2024)
país
EUA
gênero
Drama, Experimental
duração
75 minutos
direção
Madeleine Hunt-Ehrlich
elenco
Zita Hanrot, Motell Foster, Josué Gutierrez, Reese Antoinette, Melisa Lopez
visto em
Festival de Toronto 2024

Em francês, o termo “ballade” significa um passeio, uma caminhada sem rumo preciso. Ele também indica a música lenta, assim como na acepção anglófona, que vale tanto para a canção romântica quanto para a poesia. É interessante como ambos se aplicam à perfeição a este filme, que basicamente captura uma essência da escritora Suzanne Césaire, deslocando-se pela paisagem martinicana, escutando melodias inebriantes, enquanto reflete acerca de sua existência e de seu povo.

A cineasta Madeleine Hunt-Ehrlich decide se focar nesta mulher, mais conhecida nos livros de história enquanto esposa do escritor e político Aimé Césaire. Ora, ela também escreveu, embora tenha produzido muito menos: apenas sete textos, entre 1941 e 1945, refletindo acerca da colonização francesa, e analisando as virtudes do surrealismo. Os motivos para uma atividade literária tão miúda? Seis filhos para criar, sugere o longa-metragem. Como se tornar uma profissional prolífica, enquanto seis pequenas vidas dependem de sua atenção diariamente? O marido, sem surpresas, não exercia responsabilidade equivalente no cuidado familiar.

O filme promove um cruzamento entre as teorias feministas e literárias, entre a compreensão da escritura e aquela da sociedade da época — a autora faleceu em 1966. Parte-se do princípio que diversas mulheres tiveram seus talentos tolhidos devido às obrigações domésticas, ao passo que os homens conquistavam cargos de liderança e podiam se expressar livremente. O roteiro nos lembra que diversos escritores célebres tinham esposas ou familiares encarregados de suas obrigações rotineiras, razão pela qual puderam escrever o quanto desejavam. A arte nunca foi apenas questão de talento, mas de oportunidade.

Em sua beleza lânguida, lança sobre o espectador certo feitiço, que pode ser tão encantador quanto soporífero, dependendo da disposição a embarcar na proposta estetizante.

Tal discurso poderia chegar ao espectador embalado em furor e denúncia. Ora, The Ballad of Suzanne Césaire opta por um caminho muito diferente. A criadora mergulha em tom etéreo, despertando a impressão de eterno sonho. Não existe um único conflito em toda a narrativa — compreendido enquanto embate de vontades contrárias, reviravolta ou dificuldade de ação. Suzanne (Zita Hanrot) anda à direita e à esquerda, observa o marido Aimé (Motell Foster), contempla o amigo André Breton (Josué Gutierrez). O encontro amoroso se resume a dois rostos calados, observando-se longamente em plano e contraplano.

A duração dos planos e a tendência à repetição podem constituir um desafio ao público médio. Suzanne lê seus próprios escritos durante longos minutos, e também se senta no gramado por mais algumas sequências. Ela, Aimé e André sentam-se em cantos exatos do enquadramento, posando para a câmera, perfeitamente imóveis, durante tempo estranhamente extenso, como se esperassem uma fotografia nunca tirada. Hunt-Ehrlich demonstra tanto gosto pela composição quanto pelo artifício: embora registre as paisagens naturais da Martinica, faz questão de intervir nas mesmas de modo a criar sua própria exposição artística.

Isso significa filmar em 16 mm, atribuindo uma textura potente, de cores fortes e granulado chamativo; intensificar os sons da natureza (insetos, raios) até despertar uma aparência selvagem, quase fabular; e decorar seus personagens com roupas alinhadas, impecáveis demais, como se estivessem sempre prontos para um evento de grande importância. Nunca testemunhamos o dia a dia do casal, nem o processo de desenvolvimento de sua literatura e atividade política. Parte-se de um ponto indistinto no futuro, quanto tudo já foi escrito, cabendo a Suzanne rememorar suas ideias.

O longa-metragem também apela a uma curiosa metalinguagem. Zita Hanrot se vira à câmera, e conversa com o espectador sobre o fato de interpretar esta personagem. Filma-se a placa com os dizeres “Filmagens hoje”, indicando um trecho do bosque, isolado para o trabalho da equipe de cinema. Surgindo no enquadramento, o assistente de câmera fotometra a pele da atriz antes do plano (imagem abaixo). Somos constantemente lembrados de que isso é uma construção, uma evocação a posteriori, nunca um mergulho naturalista na vida de Suzanne. Ao contrário das biografias dedicadas à maior fidelidade possível, a produção norte-americana prefere o estranhamento e o distanciamento.

Esta escolha se estende às atuações, distantes de uma composição habitual. Hanrot sustenta um olhar entorpecido, inebriado, como se estivesse presente e ausente ao mesmo tempo — talvez pensando em outra coisa, perdida em devaneios. As duas figuras masculinas servem como corpos entregues numa ilustração simbólica de figuras históricas, a quem se permite uma doçura no olhar, um carinho no canto da boca — não mais do que isso. Lê-se bastante, narra-se muito, porém os personagens raramente conversam um com o outro, nem interagem de maneira direta. Perambulam como fantasmas pela natureza suntuosa.

Ao final, The Ballad of Suzanne Césaire se situa no meio do caminho entre a videoarte geralmente exibida em museus e galerias, e as docuficções biográficas, habituais em festivais de cinema. Deve representar um desafio particular aos distribuidores e exibidores no circuito comercial, ainda que comemoremos sua linguagem radical, ousada, como se espera de novos cineastas. Em sua beleza lânguida, lança sobre o espectador certo feitiço, que pode ser tão encantador quanto soporífero, dependendo da disposição a embarcar na proposta estetizante. Ao invés de uma pessoa específica, marcada por fatos e circunstâncias, Suzanne Césaire se converte numa ideia, uma lembrança distante, uma emanação.

The Ballad of Suzanne Césaire (2024)
6
Nota 6/10

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