Bonito Cine Sur: As paisagens e os habitantes do Mato Grosso do Sul

Em paralelo às exibições de longas e curtas-metragens sul-americanos no Bonito Cine Sur, uma das mostras de destaque na primeira edição de evento consiste nas sessões de filmes sul-mato-grossenses. O programa visa destacar obras de diretores regionais, ou tendo o Estado enquanto foco narrativo, de modo a valorizar uma cinematografia ainda pouco reconhecida no âmbito nacional.

Os quatro primeiros curtas-metragens desta seleção são marcados pelas diferenças de abordagem e estilo, mas também de amadurecimento cinematográfico. O principal destaque, sem dúvida, coube a Cordilheira de Amora II, de Jamille Fortunato. O documentário segue uma garota guarani-kaiowá, explicando à direção a maneira como brinca com seus “amigos imaginários”, em suas palavras. Sobre o lixo e os escombros, Cariane inventa uma casa improvisada, com fornos, televisores, sofás e interações domésticas.

Cordilheira de Amora II, de Jamille Fortunato

Desde o princípio, ela apresenta aos realizadores uma “fotografia imaginária”, a partir de uma pedra plana onde projeta um retrato familiar inventado. Poucas imagens do Bonito Cine Sur foram mais fortes do que o cinema enquanto potência da imaginação, ou devir das novas gerações. Longe de qualquer exploração da miséria, a cineasta registra com seriedade e respeito a criatividade da menina. Transparece, desta maneira, uma perspectiva muito diferente das representações habituais dos povos originários.

As Marias foi provavelmente a obra de maior apelo popular do festival até o momento. O diretor Dannon Lacerda acompanha a vida de suas tias trigêmeas, a quem pede para se vestirem da mesma maneira, e se sentarem lado a lado, de modo a ressaltar as semelhanças. Neste percurso, revela as pressões patriarcais sofridas por elas, tais quais a obrigação de se casarem e terem filhos.

As Marias, de Dannon Lacerda

Trata-se de personagens fascinantes, que se entregam com sinceridade às câmeras — fruto da clara proximidade com o sobrinho-realizador. Em contrapartida, a decisão do autor de se colocar enquanto narrador em off, falando de si próprio e da maneira como o processo criativo se modifica, apenas reforça significados já evidenciados. O caráter didático, tanto pelo tom da fala quanto por informações que não encontram eco nas imagens (detalhes sobre a origem de uma receita, por exemplo) desviam o foco de uma narrativa que se fortalece quando dá voz às três mulheres.

Ao contrário destes dois filmes focados em protagonistas muito específicos, o média-metragem Planuras busca um escopo amplo, a respeito dos povos e culturas em planícies inundadas do Pantanal. O cineasta Maurício Copetti compõe belas imagens da natureza, e certamente oferece pontos interessantes a respeito da configuração particular deste espaço. No entanto, o roteiro soa indeciso em seu raciocínio lógico, elencando uma série de temas dispersos. A obra carece de uma linha narrativa precisa.

Planuras, de Maurício Copetti

Além disso, uma parcela considerável das falas se tornou incompreensível aos espectadores no Centro de Convenções de Bonito. Cabe determinar se as fragilidades decorrem do sistema sonoro do cinema, ou da captação de som direto dos artistas.

Face aos títulos mencionados acima, Adão e Eva do Pantanal Sul consiste numa produção mais modesta, tanto conceitualmente quanto em termos de realização. A diretora Ara Martins conversa com dois arqueólogos a respeito dos primeiros seres humanos que percorreram o Pantanal. No entanto, as descobertas ficam em segundo plano em relação às escolhas estéticas confusas.

Adão e Eva no Pantanal Sul, de Ara Martins

Ora a imagem dos drones filma a câmera instalada no tripé, ora a imagem sobre o tripé filma o drone nos céus. A montagem corta entre planos diferentes do arqueólogo falando, em saltos aleatórios e iluminação estourada, ao passo que a protagonista feminina se encontra comportadamente posicionada no centro de um enquadramento fixo. Flashes de animação se inserem sem desenvolvimento posterior. Ao final, a cacofonia estética se sobrepõe à discussão histórica.

O Bonito Cine Sur ainda tem quatro curtas-metragens sul-mato-grossenses a apresentar, além de longas-metragens produzidos no Estado. O evento segue até o dia 11 de novembro.

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.