Bonito Cine Sur: Histórias de assombrações (Dia 4)

A primeira edição do Bonito Cine Sur — Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito tem surpreendido pela rica comunicação entre as obras escolhidas para cada dia. Os temas dos curtas-metragens dialogam de maneira direta com os longas-metragens da mesma sessão. O dia de maior afinidade, até o momento, ocorreu no quarto dia do evento, ou terceiro dia de mostras competitivas.

Em comum, estes projetos abordam de maneira frontal a morte e os fantasmas existentes após traumas. Em Green Grass, um empresário japonês acorda numa praia, sem saber como foi parar naquele lugar. Logo, descobrimos que está morto e, do outro lado do mundo, o pai idoso sofre com a perda do filho. Enquanto Makoto tenta compreender sua existência, o pai Kiyoshi efetua o processo de luto.

Green Grass, de Ignacio Ruiz

A obra impressiona pelas cores dessaturadas, próximas do preto e branco. Aos poucos, conforme os personagens trabalham seus sentimentos, as cores se instauram e a névoa inicial se dissipa, permitindo a chegada da nitidez e do contraste. É uma pena que a sessão no festival tenha sofrido com graves problemas sonoros. Como resultado, parte considerável dos diálogos não possuía som. Coube aos espectadores imaginar a prestação de diversos atores, em termos de voz e empostação. Leia a nossa crítica.

O curta-metragem Vias, de Pablo Agustin Richards, prefere um caminho mais espetacular ao representar assombrações. O roteiro acompanha a viagem de um estudante, conversando com um desconhecido no ônibus. Este sujeito lhe narra a história de um rapaz confrontado ao dia em que todas as pessoas de sua cidade o desconheciam. O jovem precisou então insistir em sua identidade, até ser internado numa instituição psiquiátrica.

Vias, de Pablo Agustin Richards

Apesar da paixão pelas ferramentas do horror e da fantasia — o protagonista menciona especificamente os estudos universitários em realismo fantástico —, a ficção sofre com profundas fragilidades estéticas e narrativas. O roteiro se mostra tão previsível quanto falho, privilegiando a surpresa final à verossimilhança.

Já as atuações soam caricatas, os flashbacks se revestem de tiques convenientes (o desfoque para passar da trama central à história-dentro-da-história), e os efeitos sonoros supervalorizam significados evidentes. Até o momento, a mostra de curtas-metragens sul-americanos tem se provado particularmente fraca. Cabe esperar que a segunda metade das competições tenha reservado ao espectador as melhores obras da primeira edição.

Fora das brigas por prêmios, foi exibido um raro longa-metragem produzido especificamente em Bonito. O documentário La Plata Yvygu — Enterros e Guardados se concentra nos tesouros escondidos no solo que abrange as fronteiras de Brasil e Paraguai. Os diretores Paulo Alvarenga Isidorio e Marcelo Felipe Sampaio abraçam tanto as teses sobrenaturais, envolvendo a presença de demônios e fantasmas que guiam a descoberta destes potes de ouro, quanto os fatos históricos acerca da Guerra do Paraguai.

La Plata Yvygu — Enterros e Guardados, de Paulo Alvarenga Isidorio e Marcelo Felipe Sampaio

Desta maneira, coloca-se em pé de igualdade os fatos e os boatos, ou seja, os conhecimentos comprovados de historiadores e as lendas escutadas de terceiros (“Há quem diga que…”). A estratégia é arriscada: a seriedade com que se abordam as crendices desperta alguma desconfiança quando se chega à parte histórica — por que devemos aderir ao filme que vende, sem provas, a existência do sobrenatural?

Outros aspectos merecem questionamento. As escolhas de linguagem preservadas na edição incomodam: negros chamados de “crioulos”, falas sobre “uma raça de índios”, descrições de brasileiros que “viviam na bestialidade”. A edição também abusa de planos curtíssimos, interrompidos por fades.

Apesar destas ressalvas, a presença de La Plata Yvygu é plenamente justificada num festival que pretende valorizar as obras locais e destacar nossa relação com os países vizinhos, sendo o Paraguai o mais próximo deles.

A sessão também enfrentou problemas técnicos no começo, antes de exibir uma cópia pensada para o público hispanófono (as falas em espanhol sem legendas, e as falas em português, com legendas em espanhol). No entanto, nada que tenha prejudicado seriamente a apreciação deste trabalho.

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