Amazônia, a Nova Minamata? (2022)

Você precisa saber

título original (ano)
Amazônia, a Nova Minamata? (2022)
país
Brasil
formato
Documentário
duração
76 minutos
direção
Jorge Bodanzky
com
Alessandra Korap Munduruku, Dr. Erik Jennings
visto em
26ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Amazônia, a Nova Minamata? representa um cinema bastante contemporâneo, nos sentidos positivo e negativo do termo. Ele se inicia com uma colagem de imagens-choque, incluindo gritos de indígenas em manifestações; protestos contra o garimpo, na qual os manifestantes se cobrem de sangue cenográfico; e palavras de ordem contra Jair Bolsonaro, xingado de “genocida” pelo grupo. Trata-se de uma sequência ágil, fragmentada pela edição, típica dos teasers e dos vídeos no YouTube.

As palavras de ordem retornam ao final da sessão, após os tradicionais, e quase obrigatórios, letreiros explicativos, contendo números e dados alarmantes a respeito do descaso com a saúde do povo Munduruku. É preciso começar pelo impacto, para que o espectador não mude de canal nem deslize o dedo ao vídeo seguinte (o formato já parece adaptado às exibições televisiva e na Internet). Depois, termina com um “pedido de engajamento”, nos moldes do ativismo virtual do século XXI.

Quando se explica o que foi o Mal de Minamata, citado no título, o discurso se faz explicativo, pausado, recorrendo novamente a dezenas de fotografias de corpos cadavéricos, banhados em trilha sonora sombria, para que o espectador compreenda a gravidade da situação via apelo à emoção. Supõe-se que o público seria capaz de entender o abuso de direitos humanos cometido naquela época — e no Brasil atual —, precisando então de um empurrãozinho de ordem estética. 

Isso não é nada novo, nem inventado pelo diretor Jorge Bodanzky. No entanto, reforça a definição de um projeto entre o cinema e o viés jornalístico. Aqui, cada imagem insiste que seu tema é importante, grave, necessário, e que “as pessoas precisam saber”. Clama-se pelo direito à informação, ao documento via imagem, e também à disputa de narrativas em termos de negacionismo de extrema-direita. Como consequência lógica, supõe que seu interlocutor não possua informações de antemão acerca dos temas tratados, precisando ser instruído.

O tom de urgência contamina a obra até certo ponto. […] O filme logo retoma um tom mais contemplativo, mesmo melancólico.

O tom de urgência contamina a obra até certo ponto. O uso do digital, apoiado muitas vezes numa fotografia de baixo contraste, superexposta, e nas captações genéricas de drones, sugere um filme onde a importância do tema se coloca acima da preocupação com a estética. Estamos distantes, por exemplo, do precioso cuidado de linguagem de A Última Floresta (2021). No entanto, a agilidade do dispositivo permite se embrenhar nas florestas com facilidade, captar o dia a dia, e mesmo flagrar uma ameaça de morte contra o médico indigenista Erik Jennings.

Entretanto, o filme logo retoma um tom mais contemplativo, mesmo melancólico. A montadora Bruna Callegari equilibra instantes mais fortes com outros, de observação antropológica, quando descobrimos a rotina dos Munduruku para além da crise sanitária e política. A cada instante forte, um contraponto silencioso oferece tempo de processar o que foi dito — sejam trechos com indígenas pró-garimpo, sejam entrevistas inesperadas com os próprios garimpeiros e donos de garimpos.

A este propósito, surpreende a presença de representantes da extração de minério no filme. Imagina-se que poucos tenham aceitado falar a um projeto explicitamente progressista e contrário à exploração das terras. Entretanto, o diretor considera justo “ouvir os dois lados”, tanto no caso dos trabalhadores braçais do garimpo, quanto de um jovem empreendedor do ouro, para quem apenas as mineradoras poluem de fato o meio ambiente, porque o impacto de sua atividade seria mínimo. Esta informação será desmentida a seguir. No entanto, persiste esta ideia de pluralidade de vozes que precisam ser ouvidas — novamente, seguindo uma ética mais jornalística do que cinematográfica. 

Por isso, escutam-se índios, políticos, garimpeiros, médicos, assistentes sociais, policiais, etc. O olhar se mostra abrangente, generoso no ato da escuta, e avesso a julgamentos morais imediatos. O cineasta se posiciona de modo claro contra os garimpeiros, porém evita depreciá-los. Ele tampouco cita empresas pelo nome ou acusa políticos coniventes com esta política. As falas evitam mencionar o nome de Jair Bolsonaro, embora muitos critiquem “este governo”. O discurso se reveste de um verniz mais objetivista do que militante.

A conexão com o Japão de décadas atrás produz bons momentos. Primeiro, a montagem faz questão de ir e voltar a este exemplo, em mais de uma oportunidade, impedindo que ele se torne um bloco isolado. Além disso, revela a exibição de um documentário sobre Minamata aos Munduruku, para que identifiquem em sua rotina os sintomas denunciados do outro lado do mundo. Neste instante, as lutas se unem, e culturas diferentes se encontram através de uma opressão que atravessa continentes e décadas. A cena possui suas estranhezas (a comunidade assistia ao filme em japonês sem legenda?), porém cumpre o propósito simbólico.

O projeto se encerra de maneira funcional. Ele possui ritmo agradável, veloz, sem tempos mortos nem quaisquer fricções e estranhezas de ordem estética. Bodanzky prefere que a mensagem seja absorvida com a máxima clareza, evitando assim metáforas, subentendidos, ambiguidades — os significados estão à superfície. Na tenda da Mostra de Tiradentes, o público local aplaudia efusivamente ao final da sessão, como se tivesse experimentado um expurgo emocional, mas também uma espécie de revanche política contra o governo derrotado nas urnas (gritos de “faz o L” ecoavam pela sala). A própria existência de uma sala de cinema lotada para assistir a um documentário nacional cumpria papel relevante em termos políticos. Assim, o cinema-jornalista-educador atinge seus objetivos.

Amazônia, a Nova Minamata? (2022)
6
Nota 6/10

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