Animais Fantásticos e os Segredos de Dumbledore (2022)

Uma tímida imagem das diferenças

título original (ano)
Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore (2022)
país
Reino Unido, EUA
gênero
Aventura, Fantasia
duração
142 minutos
direção
David Yates
Elenco
Eddie Redmayne, Mads Mikkelsen, Jude Law, Ezra Miller, Dan Fogler, Callum Turner, Alison Sudol, Jessica Williams, Richard Coyle, William Nadylam, Maria Fernanda Cândido
Visto em
Cinemas

Animais Fantásticos e os Segredos de Dumbledore (2022) pretende abordar, entre outros, a paixão entre dois homens. Alvo Dumbledore (Jude Law) e Gerardo Grindelwald (Mads Mikkelsen) estão presentes na cena inicial, recordando o quanto se amavam na juventude. O enfrentamento dos ex-amantes voltará a ocupar um espaço fundamental no clímax. No entanto, a representatividade gay é singela: eles apenas mencionam uma ternura jamais concretizada em imagens.

Esta se tornou uma estratégia comum das grandes empresas face à pressão justa e recorrente de grupos minoritários, sobretudo nas redes sociais. Estes personagens são incluídos nas tramas, porém sob o filtro de atenuantes e subentendidos. Casais heterossexuais podem se beijar, mas os gays, não. Estima-se que as majors “já fazem o bastante” ao sugerir que certos personagens sejam homossexuais quando dão um tímido selinho de poucos segundos (caso de Eternos), ou colocam a mão rapidamente sob o peito do outro (caso desta produção do Mundo Bruxo). 

Em outras palavras, as instâncias dominantes sugerem que nosso afeto possa ser visto nos cinemas, contanto que em menor medida, mais rápido, menos “explícito”. Este não é um acolhimento delicado ou sutil, e sim envergonhado — a exemplo dos gays e lésbicas reais, cujos namorados e namoradas são aceitos em seus círculos sociais, sob a condição de serem descritos como “amigos” ou “companheiros”. Pode-se dizer, nesta produção como nos filmes contemporâneos da Disney, que a comunidade LGBTQIA+ é tolerada, ao invés de respeitada. Esta percepção se torna ainda mais evidente diante dos recorrentes ataques transfóbicos da criadora J.K. Rowling no Twitter.

O filme também visa abraçar diferentes culturas. A eleição para presidente deste grande universo mágico se organiza entre uma mulher latina (Vicência Santos, interpretada por Maria Fernanda Cândido) e pelo chinês Liu Tao (Dave Wong). Embora o marketing brasileiro crave que esta figura feminina representa o Brasil (até pela nacionalidade da atriz), não há qualquer menção ao nosso país. Vicência poderia ser portuguesa, ou apenas “latina”. A respeito de nacionalidades ambíguas, o dinamarquês Mads Mikkelsen interpreta o papel antes encarnado pelo norte-americano Johnny Depp. Cenas importantes se passam em Berlim, antes do clímax no Butão. Na conclusão, o polonês Jacob Kowalski terminará a trama cozinhando pieroguis.

Ora, nenhuma destas culturas impregna de fato a trama. Elas desempenham a função de cenários exóticos e povos distantes. O jantar ocorrido em Berlim poderia se passar, sem alterações, em qualquer outra parte do mundo. Jamais conhecemos o passado e a formação destes alto representantes do mundo mágico, vindos (supostamente) do Brasil e da China. A abertura ao resto do mundo se justifica, imagina-se, por razões mais comerciais do que políticas. É preciso fazer um apelo a estes grandes públicos, incluindo atores de seus países e menções às suas culturas, capazes de elevar a venda de ingressos. Isso não é novidade: nos últimos 20 anos, os blockbusters dependem cada vez mais do mercado estrangeiro para se rentabilizar.

Talvez Newt Scamander seja o retrato perfeito deste humanismo tão bem-intencionado quanto frouxo.

Animais Fantásticos e os Segredos de Dumbledore também promove uma imagem do outro enquanto “o mal”. Bem e mal se confrontam através de iconografias clássicas: os primeiros são solidários, possuem fala doce e caráter tímido (vide Newt e Dumbledore), enquanto os segundos vestem casacos pretos e ostentam olhares pavorosos de quem pretende dominar o mundo (caso de Grindelwald e Vinda Rosier). Eles se enfrentam em duelos agressivos, repletos de implicações para o futuro da humanidade. No entanto, a violência será fortemente atenuada — tanto aquela dos opressores quanto a reação dos oprimidos.

Isso significa que, na esteira dos filmes de super-herói da Marvel e da DC, as pessoas se agridem sem despejar sangue nem quebrar ossos, e criaturas assassinadas podem ser ressuscitadas, o que retira o peso da morte. A varinha, enquanto representação das armas de fogo, é alvo de revistas por seguranças, e exige documentação oficial para o porte. Os raios luminosos impedem que adversários estabeleçam contato físico na luta, incluindo os dois homens que, supostamente, um dia se amaram. O único elemento viajando de um protagonista ao adversário será uma singela gota d’água, voando em câmera lenta através da avenida até a testa do oponente. O garoto não morre, apenas se molha de maneira discreta.

Esta estética da atenuação, onde não-ditos tentam se passar por um grande espetáculo, culmina num festival de câmeras lentas. Os atores são convidados a posar lentamente para as imagens de David Yates, nos pontos específicos do enquadramento, como quem se prepara a um ensaio fotográfico. Aqui, as explosões de fogo não queimam, a destruição de uma avenida não surte efeitos concretos na vida dos cidadãos, e a água de um poço não molha de fato. Malas destruídas retornam à cena, animais sacrificados serão reinseridos na narrativa. Nenhuma ação é tão potente que não possa ser desfeita.

A escolha por tantos recuos narrativos diminui consideravelmente o impacto de uma trama que se pretende apoteótica. Os produtores constroem o longa-metragem segundo a lógica da “matéria de sonhos”, nome atribuído ao cinema onde apenas a fantasia importa, e a fuga do real constitui um objetivo em si própria. O espectador pode ter a impressão de que o mundo inteiro decorre dos efeitos visuais projetados digitalmente sobre uma tela verde, em pós-produção. O mundo nasce depois das filmagens, e o material humano se faz secundário em relação a bichos divertidos, e criaturas assustadoras, porém convenientemente lentas quando miram os heróis.

Talvez Newt Scamander seja o retrato perfeito deste humanismo tão bem-intencionado quanto frouxo. O protagonista se aproxima de um coadjuvante em sua própria trama, possuindo papel inferior ao de Dumbledore e Grindelwald nesta aventura. Eddie Redmayne segue emprestando ao magizoologista uma mistura asfixiante de timidez, inaptidão social e baixa autoestima. Ele deixa os olhos vidrados rumo a um ponto desconhecido, aposta na voz pouco projetada, a cabeça entortada, o corpo recurvado sobre si próprio. Que esteja interpretando a primeira mulher transexual a fazer uma cirurgia de redesignação de gênero; um brilhante físico tetraplégico ou um jovem apaixonado na França do século XIX, Redmayne acredita que atuar implica neste coquetel caricatural, beirando o espectro autista.

Já Mads Mikkelsen transforma por completo o Grindelwald dos dois filmes anteriores. Somem os cabelos brancos, a aparência de loucura e a expressão excêntrica de Depp para entrar o aspecto glacial e austero do dinamarquês. O antagonista passou de um maluco a um tirano próximo dos ditadores modernos. Mikkelsen sequer se esforça para superar a voz sibilada e a pronúncia comprometida, abraçando esta fala como um traço da personalidade do perigoso líder. Antes, Grindelwald soava como um sujeito propenso ao descontrole. Sua versão 2.0 segue o caminho contrário, movendo-se por um desejo obsessivo de controle. O personagem, agora, sabe fazer política.

O projeto se encerra numa experiência satisfatória, ainda que previsível. A história avança nas ações sem se modificar a estrutura, até porque Rowling e Yates teimam em definir seu foco. Esta seria a história de Newt? De Dumbledore? Do agenciamento político da magia neste universo fantástico? Um prelúdio aos tempos de Harry Potter em Hogwarts? Não há tempo de trabalhar as contradições de Yusuf Kama (William Nadylam), nem detalhar a aparição de Tina (Katherine Waterston) ou a atração de Queenie (Alison Sudol) pelas forças do mal. Os animais fantásticos seguem como alívios cômicos, pequenas distrações permitindo saltar de uma cena à outra. Os criadores sabem criar um grande filme de ação, porém se mostram hesitantes quanto ao destino onde pretendem chegar.

Animais Fantásticos e os Segredos de Dumbledore (2022)
5
5/10

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