As Verdades (2022)

A história que se resolve sozinha

título original (ano)
As Verdades (2022)
país
Brasil
gênero
Drama, Suspense, Policial
duração
103 minutos
direção
José Eduardo Belmonte
elenco
Lázaro Ramos, Bianca Bin, Drica Moraes, Thomás Aquino, Edvana Carvalho, ZéCarlos Machado
Visto em
Cinemas

O principal candidato a prefeito de uma cidadezinha é vítima de um crime. Ele é espancado, amarrado a um pedaço de madeira, e atropelado por um carro. O que teria acontecido de fato a este homem? Quem seria o responsável, e por qual motivo? Como sugere o título, este drama parte da compreensão de que não existe uma versão única do ocorrido. Por isso, três pessoas diretamente envolvidas no episódio prestam depoimentos ao policial Josué (Lázaro Ramos).

As Verdades segue uma estrutura familiar. É claro que cada personagem oferece uma interpretação que lhe convenha, isentando-se de culpa e jogando a autoria da agressão a terceiros. Assistimos às sucessivas narrativas e, no final, descobrimos, sem grande surpresa, que a verdade não correspondia a nenhuma destas leituras pessoais e distorcidas. O longa-metragem se desenvolve num ritmo calmo, previsível, rumo à aguardada revelação final.

Grandes produções brasileiras e internacionais apostaram em formatos semelhantes. O Lobo Atrás da Porta (2013) também lia um assassinato cruel por perspectivas múltiplas, que se encaixavam como num quebra-cabeça. Recentemente, a minissérie norte-americana A Escada (2022) parte de uma tragédia real para investigar as inúmeras possibilidades de compreensão a partir dos fatos. Em todos estes exemplos, sugere-se que a objetividade é impossível: numa disputa policial ou judicial, vence o lado capaz de oferecer a história mais convincente. O real se torna questão de storytelling.

Este drama, no entanto, possui algumas particularidades. Em primeiro lugar, trata-se de uma busca policial sem investigação de fato. Josué fica calmamente sentado na delegacia, esperando Cícero (Thomás Aquino) e Francisca (Bianca Bin) contarem suas narrativas, com clareza exemplar. Os suspeitos jamais caem em contradição, demonstram nervosismo nem despertam dúvidas graves a respeito de alguma passagem particular. Eles se apresentam com a didática de professores — ou talvez de atores com um texto decorado demais.

O cineasta retira do caso a sua urgência e a tensão: a trama acaba se resolvendo por si mesma, com leituras sucessivas e claríssimas dos fatos.

Em segundo lugar, jamais conhecemos os personagens fora do conflito central. A narrativa é tão obcecada pelo conflito único que não se dá ao trabalho de oferecer ao herói e aos possíveis culpados uma vida fora da delegacia. Não há outros crimes a investigar, crianças para cuidar, uma esposa ou marido esperando em casa. Ninguém tem contas para pagar, problemas de saúde, objetivos no futuro, contradições no passado. Estas figuras estão presas a um eterno presente.

Isso torna a experiência um tanto morna ao espectador. Suspenses psicológicos e policiais dependem diretamente da capacidade de identificação, de projeção ou julgamento moral das figuras em tela. Ora, As Verdades trabalha com arquétipos cristalizados e superficiais: o político ladrão que recebe grandes sacolas de dinheiro em casa; a ninfeta lindíssima, desejada por todos os homens, e que de fato faz sexo com todos os personagens masculinos dotados de mínima importância na história; o capanga bruto e sexualizado, figura onde o cinema brasileiro insiste em colocar o talentoso Thomás Aquino.

Esta ciranda de personagens-tipos se comunica através de diálogos explicativos, do gênero “eu sei, você também sabe”, quando um revela ao outro uma informação de que ambos dispõem, apenas para informar o espectador. “Faz mais de dois anos que a gente não se via”, explica Francisca, ao que Josué responde: “Aí você parou de me responder”. A policial Sâmia (Edvana Carvalho) vira a Amara e diz: “Te conheço há tanto tempo, mulher”, porque antes disso, nem sequer sabíamos que as duas já haviam conversado. O frágil roteiro encontra maneiras acessórias de transmitir informações ao espectador.

Quando não se explicam, os diálogos buscam uma forma de poesia existencial, plena de autoconsciência e distanciamento de si próprio. A faxineira afirma que passou “a vida inteira trabalhando e olhando para o chão”; outro declara: “Acho que eu aprendi… A gente mora dentro da gente mesmo”. É compreensível que algum personagem seja mais introspectivo e propenso a formulações metafóricas do tipo, mas… todos? Algo nessas narrações melancólicas transmite um estranhamento que estes personagens seriam incapazes de oferecer numa narração presa aos tempos presentes.

Em paralelo, a captação de som nunca está preparada para tantos sussurros e ruminações dos atores, de modo que algumas falas se tornam incompreensíveis. É louvável que a direção não peça aos atores para articularem em excesso as falas, no entanto, a captação e o tratamento de som precisariam estar prontos para trabalhar as digressões quase imperceptíveis do grande elenco. Drica Moraes, particularmente inspirada e disposta a oferecer algo distante dos estereótipos, tem alguns de seus diálogos prejudicados.

Talvez a intenção do diretor José Eduardo Belmonte fosse fugir ao aspecto sensacionalista das perseguições policiais, aplicando um teor nostálgico a um subgênero propenso a emoções fortes. As atuações etéreas de Bianca Bin e Lázaro Ramos, além dos tempos mortos e contemplativos, apontam nessa direção. O cineasta retira do caso a sua urgência e a tensão: a trama acaba se resolvendo por si mesma, com leituras sucessivas e claríssimas dos fatos. Nada se atropela, nenhum caso retorna: logo após contar seu caso, Cícero convenientemente desaparece da narrativa.

Ora, é perfeitamente possível abrir mão dos clichês policiais em prol de uma abordagem humanista do crime — este parece ser o esforço constante de Belmonte nos últimos anos, buscando um equilíbrio entre os prazeres do gênero de ação e a responsabilidade do cinema social. Às vezes ele pende para a abordagem mais próxima do blockbuster, às vezes, retorna ao drama de personagens. No entanto, está muito longe da ambição discursiva e cinematográfica já demonstrada em Billi Pig (2012) e, em especial, em O Gorila (2012).

No final, As Verdades possui atuações competentes num roteiro fraco demais. Nenhuma cena se sobressai pela força, ousadia de linguagem ou de montagem. Belmonte opta por planos e contraplanos clássicos, uma fotografia bege e sem contraste, um ritmo linear, desprovido de alterações. Este é um filme desprovido de relevo, textura, fricções. Uma obra que, na tentativa de fugir aos estereótipos nocivos do crime-espetáculo, tampouco apresenta personagens multidimensionais.

As Verdades (2022)
5
Nota 5/10

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