Langue Étrangère (2024)

O fetiche da vida adulta

título original (ano)
Langue Étrangère (2024)
país
França, Alemanha, Bélgica
gênero
Drama
duração
105 minutos
direção
Claire Burger
elenco
Lilith Grasmug, Josefa Heinsius, Nina Hoss, Chiara Mastroianni, Jalal Altawil
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

Em Langue Étrangère, França e Alemanha são países espelhados. Acusam-se de clichês distintos (os franceses seriam arrogantes e racistas; os alemães seriam nazistas recalcados), porém demonstram o mesmo funcionamento social. Na cidade de Estrasburgo, fronteira entre as duas nações, todos se compreendem em francês e alemão (além do inglês); apresentam mesmo nível sociocultural, além de inquietações parecidas em relação ao crescimento da extrema-direita em meio às classes populares.

Além disso, possuem adolescentes similares. A francesa Fanny (Lilith Grasmug) se sente incompreendida pela mãe, ressente-se da distância em relação ao pai, e enfrenta problemas na escola. Testa sua sexualidade, entre o desejo por garotos e garotas. Não sabe o que deseja fazer no futuro, porém inquieta-se de maneira vaga com os problemas do planeta. A alemã Lena (Josefa Heinsius), também. Apesar de uma ou outra particularidade de comportamento, representam esta ideia de que as angústias da juventude, e aquelas da vida adulta, seriam análogas nas duas culturas.

Para o mundo adulto, a diretora Claire Burger (autoria do roteiro, em parceria com Léa Mysius) também oferece perspectivas idênticas: Nina Hoss, no papel da mãe alemã, torna-se equivalente a Chiara Mastroianni, no lado francês da narrativa. Trata-se de matriarcas amorosas, ainda que um tanto conformadas com sua posição submissa na sociedade. Todas as mulheres, sem exceção, mostram-se frágeis emocionalmente, traumatizadas, buscando esconder sua tendência depressiva.

A direção atenua as dores, minimiza os prazeres, acalma as crises e frustra as perspectivas de gozo ou furor. Troca um ideal de vitalidade da juventude pela melancolia.

Logo, para a autora, a euforia da adolescência passa, se domestica e se amarga de maneira inevitável. Por isso, é melhor deixar as garotas viverem suas pequenas ousadias, antes que seja tarde. A dupla experimenta drogas, porém longe de qualquer vivência extrema em relação às substâncias; prova a sexualidade livre, contanto que de maneira sugerida, e interrompida antes do coito; investe no ativismo nas ruas, na condição de suspenderem os atos quando a brincadeira perder a graça. Elas fazem conta de serem adultas, sem interesse real nesta fase da vida para além de uma simulação de fuga.

Esta atenuação das sensações contamina o longa-metragem na totalidade. O diretor de fotografia Julien Poupard opta por imagens em tom pastel, de cores saturadas, ainda que desbotadas. Até o trabalho gráfico de letreiros acompanha os tons em azul bebê, rosa claro, verde limão e assim por diante. Esta atmosfera confere ao projeto um aspecto ainda mais infantilizado, menos radical, ou propenso a qualquer forma de aspereza. Parece muito claro ao espectador que os conflitos de uma e outra serão resolvidos, ou contornados, evitando rupturas traumáticas com as idealizações.

Já a direção opta pelo formato tão eficiente quanto convencional da câmera na mão, grudada ao rosto das duas. As dimensões da imagem, mais próximas do quadrado, impedem o espectador de prestar atenção em outros elementos de cenário para além dos rostos expressivos das garotas. A leve tremida, controlada, porém ágil, sustenta aquela impressão de dinamismo mais frequente no cinema dos anos 1990 do que nas obras atuais (que talvez preferissem uma aceleração via montagem). Salta-se de uma à outra, dividindo a narrativa comportadamente em duas partes: a primeira, na Alemanha, e a segunda, na França.

O elenco se sai bem diante de uma construção sólida de psiques fragilizadas. Dispensando tanto o espetáculo da miséria quanto a exploração das dores alheias, o quarteto de atrizes trabalha em meios-tons. Deixam claras as suas angústias, porém evitam os choros e demais expurgos emocionais. A cineasta enxerga mais méritos nas ambiguidades (os meios-sorrisos, o quase-choro) do que no festival de lamentos. Neste aspecto, demonstra respeito e carinho tanto pelas mães quanto pelas filhas.

Em contrapartida, Langue Étrangère transmite uma visão superficial e fetichista do ativismo político. Fanny e Lena gostariam de se engajar em alguma causa, mas não sabem qual. Admiram os black blocs enquanto conceito, apesar de terem medo de um confronto real com a polícia. Confundem rebeldia adolescente e consciência de classe, ou ainda a vontade de mudar sua rotina doméstica e a vontade de mudar o mundo (e nesta idade, haveria diferença?).

Isso significa que as raras cenas de protestos carregam forte superficialidade, pois filtradas pelo olhar de inocência. Burger filma estes instantes tal qual os ensaios fotográficos de celebridades brasileiras que exibiram suas joias e roupas caras em frente a desastres. Vende-se uma pose de luta sem investigar os problemas reais, enunciados pelas heroínas que desconhecem estes conceitos amplos: a ecologia, o veganismo, o anticapitalismo, o crescimento sustentável. A diretora foge à possibilidade de se posicionar firmemente a respeito destas pautas, ou de desenvolver a ignorância dos novos adolescentes (cujo conhecimento seria deturpado pelos vídeos no YouTube, segundo a trama).

Em especial, o drama incomoda pelas citações frequentes ao perigo da extrema-direita, evitando desenvolver o mínimo destes conceitos. Menciona-se um medo tão vago que poderia representar qualquer outra ameaça (de ordem ambiental, de saúde, o que for). Compreende-se que as personagens fictícias sejam ingênuas, mas o filme não poderia sê-lo — até por possuir uma responsabilidade evidente em relação aos temas graves.  Ora, a direção atenua as dores, minimiza os prazeres, acalma as crises e frustra as perspectivas de gozo ou furor. Troca um ideal de vitalidade da juventude pela melancolia eterna, um tanto lúdica, rosa-azulada.

Para as protagonistas, as ideologias são como roupas para se vestir e desvestir quando surgir outra onda mais interessante. Heterossexualidade, homossexualidade, capitalismo, antifascismo, veganismo, tanto faz. O roteiro cita questões de sociedade enquanto marcas de um conflito que não deseja realmente compreender. Logo, a autora desempenha uma função paternalista (a direção ocupando o lugar do pai ausente) de estimar que primeiro elas precisam pensar em seus amores, em comer bem, em dormir direitinho, em estudar bastante. O resto, o mundo, a política, a sociedade, a gente vê mais tarde. Uma coisa de cada vez. 

Langue Étrangère (2024)
5
Nota 5/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.