Lousy Carter (2023)

Sarcasmo até a morte

título original (ano)
Lousy Carter (2023)
país
EUA
gênero
Comédia
duração
80 minutos
direção
Bob Byington
elenco
David Krumholtz, Martin Starr, Olivia Thirlby, Jocelyn DeBoer, Stephen Root
visto em
Festival de Locarno 2023

Lousy Carter (David Krumholtz) descobre que vai morrer. Este professor universitário não se sente particularmente mal, no entanto, os exames produzem um resultado inquestionável: ele tem seis meses de vida, no máximo. Hollywood e os estúdios indie norte-americanos estão repletos de tramas nas quais a proximidade do fim serve de catalisador a um personagem apático. Logo, ele diz às pessoas que as ama, desfaz rivalidades passadas, experimenta comidas, bebidas e viagens que não tinha a coragem de provar. Vendo a vida se esgotar, ele vive, enfim.

No entanto, este protagonista adota uma abordagem bem diferente. Avisado sobre a sua morte, o especialista em literatura norte-americana dá de ombros. Vou morrer, fazer o quê? Paciência. Ele ri, faz piadas, desacredita do resultado. O médico tampouco demonstra qualquer cuidado no anúncio da notícia trágica. Esqueça os choros, o cuidado, a empatia, a piedade. A equipe médica tem pressa de passar à consulta seguinte, e o anti-herói não demonstra pressa nenhuma. Segue a vida como se nada tivesse mudado.

O diretor Bob Byington brinca em subverter os clichês do melodrama através de seu exato oposto. A ex-namorada, e grande amiga de Carter, quer saber se ele pretende vender os móveis para saldar sua dívida com ela. Um amigo o aconselha a transar com suas alunas, afinal, uma eventual demissão não faria diferença nenhuma agora. Outra retorque que ela também tem problemas, devido a uma pequena condição crônica. A aluna adolescente é grosseira, o aluno jovem é afrontoso, o melhor amigo não se importa com o protagonista.

Há um desprezo generalizado pelos conflitos e situações, uma misantropia disfarçada pelo sorriso amarelo no canto da boca.

O longa-metragem se constrói, portanto, pelo humor decorrente do sarcasmo. Ele imagina uma comunidade composta unicamente por pessoas indiferentes, rabugentas, individualistas. Nenhuma alma sequer se solidariza com a condição deste homem. Muito pelo contrário: quanto pior for o quadro dele (o prazo de morte se reduz após um novo ultrassom), mais violento se torna o grupo. Está morrendo? Problema seu. O universo beira o realismo fantástico ao rir desta visão niilista, e um tanto conformista, do nosso fracasso enquanto sociedade.

O motivo principal para esta condução extrema da narrativa se encontra na paixão do roteiro por diálogos sarcásticos. Byington demonstra verdadeiro prazer em criar tiradas ferozes, impiedosas, velozes. Os personagens não conversam, eles se insultam, se provocam. Paira uma irritação coletiva no coletivo que vai dos jovens aos adultos, dos homens às mulheres, dos chefes aos empregados, dos professores aos alunos. As pessoas são todas iguais, curiosamente. 

O problema desta abordagem resulta em sua linearidade, em sua ausência de textura e volume no jogo cênico. Há frases mordazes e hilárias, sem dúvida. Os atores se divertem ao imaginar a pior versão de si próprios. No entanto, nenhum personagem soa minimamente verossímil. Eles não possuem variações de humor, de tom, de objetivo. Ao se comunicarem da mesma maneira, demonstram que o real intuito do criador era ver o circo pegar fogo, pouco importando a diversidade de palhaços e equilibristas no picadeiro.

Em outras palavras, o mundo não se importa com Carter, nem Carter se importa com o mundo — e pior do que isso, o autor não se importa com nenhum deles. Há um desprezo generalizado pelos conflitos e situações, uma misantropia disfarçada pelo sorriso amarelo no canto da boca. O cineasta evita construir personagens, desenvolver seus arcos dramáticos, provocar nuances no embate entre diferentes visões de mundo. O texto se impõe com tamanha força ao conteúdo humano e à linguagem cinematográfica que talvez o roteiro se adequasse melhor ao formato da peça de teatro publicada no formato impresso, enquanto texto. 

O cineasta aspira a O Deus da Carnificina ou Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, porém se esquece que aqueles quartetos que se digladiavam possuíam inúmeras transformações do início ao fim, além de uma alternância preciosa entre dominadores e dominados. Aqui, ninguém controla o outro, por desprezá-lo. Os personagens vivem em bolhas isoladas, relacionando-se pouco com a diferença e a alteridade. Vivem para si próprios. Nem mesmo as interações — base essencial do conflito cênico — se criam a contento.

Esteticamente, a comédia se atém à cartilha agridoce dos dias nublados, imagens cinzentas e beges, planos e contraplanos. Busca-se retirar qualquer tipo de alegria ou vaidade na construção das imagens, de modo que a banalidade dos close-ups reforce o aspecto blasé destes personagens ensimesmados. Além disso, quanto mais simples e voluntariamente acadêmicos forem os planos, menos roubam a atenção do texto, verdadeiro protagonista. Quem vai prestar atenção na decoração do circo enquanto o mesmo estiver em chamas?

Neste contexto, fica difícil avaliar as atuações, plenamente coesas e coerentes, e niveladas de modo rígido entre si. Temos amantes confessos, médicos desumanos, atendentes agressivas, filhos que se recusam a chorar no enterro da própria mãe — pelo contrário, utilizam a eulogia para agredir a falecida. Quando o melhor amigo reaparece, adivinha? Será igualmente destratado, e revelará igualmente seu lado perverso. Por trás da aparência de comédia dos costumes, Byington demonstra total descrença nos indivíduos, na comunidade, nas instituições. Não há alternativas nem rumos. 

Este tipo de humor, de aparência crítica, esconde uma filosofia conformista e um tanto apolítica, do tipo que acredita que todas as crenças se equivalem. A empatia seria tão boa quanto o egocentrismo, e a agressividade valeria o mesmo da ternura. Que diferença fazem, se vamos terminar mortos, e cada um pensa unicamente em si? Ri-se da nossa desgraça, pela incapacidade de acreditar que possamos ser diferentes. O principal fatalismo não se encontra nas conversas constantes sobre doenças e morte, mas na crença de que, mortos ou vivos, estamos condenados à desumanidade.

Lousy Carter (2023)
4
Nota 4/10

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