O Tubérculo (2024)

Uma singularidade

título original (ano)
O Tubérculo (2024)
país
Brasil
Linguagem
Experimental, Drama, Fantasia
duração
70 minutos
direção
Lucas Camargo de Barros, Nicolas Thomé Zetune
elenco
Gustavo Casabona, Wagner Neves, Marlene Moreira, Maurício Ramos, Janaina Afhonso, Sandra Camargo de Barros, Dag Maria Caldas, Sara Asseis de Brito, Kyraice
visto em
27ª Mostra de Cinema de Tiradentes (2024)

Este projeto se estrutura a partir de uma raridade: trata-se do primeiro longa-metragem brasileiro realizado em mais de 40 anos no suporte Super 8mm. As filmagens em película têm se tornado raras, e quando acontecem, privilegiam a bitola do 35mm ou, em menor medida, o 16mm. É compreensível que os autores divulguem esta informação em primeiro plano, no papel de chamariz da iniciativa. 

Neste sentido, O Tubérculo representa um gesto de resistência dentro da indústria que perdeu uma textura e uma qualidade de imagem determinantes para a história do cinema. Por isso, o contato do espectador com o formato de tela característico, a ausência do som direto e as ranhuras da película o transporta a outros tempos e temas de predileção. Assume-se o componente nostálgico, por parte dos cineastas, em relação ao período que nunca viveram — talvez a melancolia fosse um termo mais adequado.

Logo, o projeto se articula no encontro improvável entre dois movimentos quase antagônicos: a produção em Super 8mm para uma trama tipicamente contemporânea. No centro da narrativa há uma história de amor mal resolvida entre dois homens e uma doença misteriosa, típicas do atual do cinema de terror ou fantasia. Quando se encontraria, na produção de 70 ou 80 atrás, uma perspectiva queer e esta espécie de individualismo blasé, captados na película granulada?

O projeto se articula entre a produção em Super 8mm e a trama tipicamente contemporânea. O resultado se tornaria mais interessante caso os diretores estivessem, de fato, interessados em pesquisar linguagens.

Tal provocação se tornaria muito mais interessante caso os diretores Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune estivessem, de fato, interessados em pesquisar linguagens, em confrontar a estética e os discursos do audiovisual hoje e ontem. Em outras palavras, caso explorassem a fundo as circunstâncias improváveis de seu modo de produção. Haveria um universo de possibilidades a colocar em prática através do encontro de temporalidades. 

Como seria a imagem de nossa tecnologia contemporânea e nossa multidão solitária no formato em desuso? De que maneira a filmagem atual de locais já representados no cinema de outros tempos representaria o decalque entre épocas e espaços? O dispositivo permitiria investigações de ordem conceitual, experimental, ensaística, histórica, de pesquisa. Um diálogo com a percepção social de antigamente, ou uma afronta à perda de certas perspectivas de então.

Os autores oferecem um cardápio mais modesto. Brincam com uma história que não parece lhes interessar de fato. Inventam o quiproquó da avó falecida, da herança, do retorno a Andradina, do reencontro com o ex-namorado, da Insônia Familiar Fatal — doença que mataria suas vítimas em decorrência da privação de sono. Acenam à síndrome enquanto metáfora do bolsonarismo, apesar de a simbologia permanecer em estado embrionário. Trata-se de conflitos que bastariam, amplamente, para o desenvolvimento de uma narrativa complexa em termos psicológicos e políticos.

No entanto, o protagonista Gustavo (Gustavo Casabona) se limita à deambulação desafetada. Os dilemas ocorrem ao redor dele, para ele, no entanto, o sujeito apático jamais provoca nenhuma transformação na narrativa. Nunca demonstra, mesmo em modo contido, qualquer sentimento pela avó, ambição real de enriquecimento, ressentimento com o exílio no passado, paixão verídica pelo ex-companheiro. 

Alega-se a existência de emoções não percebidas na tela; discutem-se sintomas e conflitos não materializados. Em consequência, precisamos acreditar num discurso que soa como pura imaginação, delírio. Por que deveríamos torcer por Gustavo, nos preocupar com a herança genética da doença maldita, ou nos inquietar pelo que deixou em Portugal durante a volta ao Brasil? O rapaz vive apenas no tempo presente, tal qual um corpo esvaziado de pulsões, de vontade, de ethos. Até por isso, o componente queer teima em convencer: não basta colocar dois homens lado a lado para acreditarmos no suposto envolvimento entre eles.

Os prazeres poderiam se encontrar, então, na utilização estética da película. Ora, mesmo neste quesito, o investimento soa tímido, para dizer o mínimo. O Tubérculo sofre inúmeras intervenções em pós-produção, quando uma lógica tipicamente contemporânea se sobrepõe ao peso (e às vantagens) do Super 8mm. Nesta hora, impera a lógica pop de sobrecarga estética e impressão de dinamismo às custas da fragmentação dos sentidos.

Isso significa que as cores mudam, as ranhuras soterram aos espaços (haveria inclusão de novas “sujeiras”, ou acentuação das mesmas na montagem?). Os tiques, cacoetes e enfeites (uma trilha sonora tão divertida quanto desconectada do tom geral) sabotam qualquer atenção que se poderia atribuir ao percurso de Gustavo. A intrusão do trio de advogadas, da personagem cantando trechos da trama e do dinossauro animado apenas confirma a predileção pelos gadgets capazes de distrair, justamente, do roteiro. 

A viagem do protagonista e o medo da doença resultam numa não-questão, um pretexto para se experimentar o uso da película em formato incomum. O suporte e o dispositivo existem apesar do roteiro, ao invés de para ele. Talvez o espectador se importe pouco com a aventura nonsense porque nem os diretores acreditam de fato naquilo que filmam. É uma pena que a oportunidade tão preciosa de pensar a respeito do tempo, das mudanças entre gerações e da herança cinematográfica se restrinja a uma recreação de pretensões ínfimas.

O Tubérculo (2024)
4
Nota 4/10

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