Passado Violento (2021)

O gentil assassino

título original (ano)
Clean (2021)
país
EUA
gênero
Drama, Suspense
duração
94 minutos
Direção
Paul Solet
Elenco
Adrien Brody, Glenn Fleshler, Richie Merritt, Chandler DuPont, Mykelti Williamson, Michelle Wilson, John Bianco, RZA, Gerard Cordero, Alex Corrado, Antino Crowley-Kamenwati
visto em
Netflix

As metáforas de limpeza e sujeira se multiplicam nesse drama. O protagonista (Adrien Brody) é chamado de Clean, ou “limpo”, e trabalha como lixeiro num bairro pobre da cidade. Nas horas vagas, recolhe entulho e peças abandonadas para consertar produtos eletrônicos. Ele vive num apartamento escuro e bagunçado, e reflete utilizando frases como “Não importa o quanto eu tente: não consigo limpar o passado”.

Como se percebe, a higiene funciona enquanto metáfora óbvia e insistente de retidão moral. Tendo atravessado um “passado violento”, explicitado pelo título nacional, o sujeito vive cercado pela culpa de perder a filha pequena, graças à sua negligência, e por ter empunhado armas contra outras pessoas. Hoje, vive corroído pela dor, isolado do restante da comunidade, acreditando merecer uma rotina medíocre como forma de punição.

O longa-metragem se concentra na figura do pecador arrependido, a quem cabe, em primeiro lugar, sofrer por seus feitos, e em segundo lugar, buscar alguma forma atenuante de reparação. Clean passa os dias chorando diante da foto da filha pequena, ou então cuidando de uma adolescente negra, sempre em apuros, necessitando seu suporte paterno. “Sou um pai fracassado que fracassou com seu filho”, repete, caso alguém ainda não tenha compreendido o motivo do ressentimento.

Os problemas começam com a mão pesadíssima do diretor Paul Solet. Trabalhando a partir de uma mensagem simples de perdão e redenção, ele dedica várias sequências a sublinhar a magra mensagem. Não basta afirmar a inocência da menina morta: ela aparece cantando “Ave Maria” ao pai esquelético, e depois, deixa um bicho de pelúcia em forma de amuleto. Já o otimismo é representado pela transformação súbita de um bairro perigoso onde as crianças passam a brincar felizes na rua.

A situação se complica quando Passado Violento se converte num filme de máfia. O empresário Michael (Glenn Fleshler) revela-se um sujeito de perversão crescente, erguendo taças de bebida em honra à família após exterminar um comerciante. Ao invés da moral ambígua das grandes produções sobre núcleos mafiosos, aqui os adversários se limitam a figuras puramente vilanescas, dispostas a torturar o próprio filho para aprender uma lição — que pai mafioso efetuaria tal sacrifício?

Solet abandona a tomada de consciência para investir num caminho em que os fins justifiquem os meios. Contanto que o motivo da matança seja o resgate de uma moça indefesa, o herói possui o direito súbito de agir exatamente como antes.

Quanto mais agressivo for o inimigo, mais legítima parece a vingança de Clean — pelo menos, aos olhos da direção. O homem contrário à violência descobre bons motivos para se armar até os dentes e detonar uma verdadeira carnificina na segunda metade da trama. Heróis de ação tradicionais jamais escondem a predileção pelo justiçamento através de armas, porém o protagonista esconde a aparência de um sujeito “reformado”, cristão, avesso ao comportamento de gângster.

Ora, Solet abandona esta tomada de consciência para investir num caminho em que os fins justifiquem os meios. Contanto que o motivo da matança seja o resgate de uma moça indefesa, o rapaz possui o direito súbito de agir exatamente como antes. Em outras palavras, o longa-metragem consente com os homicídios e a sede de vingança, desde que praticados pelo “cidadão de bem”. De maneira repentina, o tipo solitário comprova habilidades de combate dignas de Bryan Mills e John McClane. 

A comprovação que o ponto de vista aprova as agressões se encontra na estética utilizada para as cenas de extermínio. O filme concebe enfrentamentos extremos, nos quais o sangue sempre espirra no rosto dos agressores. Armas modificadas arrancam pedaços da cabeça, e Clean tem a sorte de matar indivíduos inexplicavelmente distraídos: numa sala com oito homens, o protagonista atira, mas os outros não percebem a morte do colega ao lado, e seguem entretidos na direção oposta.

Passado Violento acredita oferecer uma obra soturna, crua, repleta de pessoas falhas em situações adversas. Por isso, oferece cores cinzentas e azuladas, imagens com efeito íris nos instantes de revanche do herói, além de noites bastante escuras. Ladrões possuem tatuagens no rosto; meninas adolescentes pobres têm como destino o estupro ou prostituição; e a preparação para um ataque de Clean é acompanhada de um treinamento à la Rocky, um Lutador, incluindo uma trilha sonora que homenageia (ou plagia, a gosto) o tema clássico do filme estrelado por Sylvester Stallone.

Para Adrien Brody, a escolha pelo projeto é compreensível: o ator vencedor do Oscar tem recebido poucas oportunidades de interpretar protagonistas, abraçando portanto a rara chance que se apresenta. Ele se esforça na voz rouca e grave, o olhar soturno e o corpo cheio de malícia, correspondendo à ideia do diretor de um habitante “do gueto”. O intérprete defende o personagem com dignidade, embora seja incapaz de atribuir profundidade ao arquétipo simples do vilão transformado em herói.

Ao final, resta uma visão estereotipada do mundo do crime, e simplificada em seu processo de purificação moral por meio das balas e do sangue. O drama impressiona menos pela seriedade com que aborda o tema, do que pelas cenas mal dirigidas e mal editadas. A morte da filha pequena e a chacina no apartamento devem despertar risos do espectador — algo nada elogioso para uma obra que pretende transmitir lições valiosas a respeito da sociedade contemporânea.

Passado Violento (2021)
3
Nota 3/10

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