La Piel del Agua (2024)

O audiovisual bem-comportado

título original (ano)
La Piel del Agua (2024)
país
Costa Rica, Chile
gênero
Drama
duração
79 minutos
direção
Patricia Velásquez
elenco
Ariana Chaves, César Maurel, Lucía Sauma, Juan Luis Araya, Ana Beatriz Fernández
visto em
77º Festival de Locarno (2024)

No subgênero das coming of age stories (histórias de passagem à fase adulta), diversos elementos podem despertar no adolescente a percepção de adentrar a maturidade. O fim de um relacionamento amoroso, o enfrentamento de uma doença ou morte, a reaproximação involuntária com algum membro da família são catalisadores clássicos para a descoberta de que crescer equivale a lidar com temas e situações difíceis. Se as crianças ainda são protegidas de dilemas sociais e familiares, adultos precisam enfrentá-los.

O costa-riquenho La Piel del Agua combina todas as possibilidades acima numa jornada só. Aos quinze anos, Camila recebe a notícia de que a mãe sofreu um acidente e está internada em estado grave. Ao mesmo tempo, descobre a paixão repentina por um músico rebelde, e se vê obrigada a morar temporariamente com o pai que nunca cuidou dela. Em questão de poucos dias, sua vida se transforma por completo, levando a garota a fugir de casa, beber muito nas festas e ignorar os deveres escolares. A rebeldia se traduz em consequência óbvia da incapacidade de gerenciar a crise.

A diretora Patricia Velásquez opta por algumas ferramentas consagradas do cinema independente, em especial, de vertente norte-americana. Não seria uma surpresa se ela tivesse se baseado em inúmeras referências para escolher o formato de tela próximo do quadrado, a câmera na mão para captar as andanças da jovem, os enquadramentos com a garota no centro da imagem, ou Camila e o namorado posicionados nos terços exatos do quadro. Durante as noites de música e bebedeira, a direção de fotografia desfoca as bordas da imagem e o fundo por trás da protagonista — para sugerir, como de costume neste caso, uma desconexão com o meio e a dificuldade de enxergar os dilemas ao redor.

O drama transparece um humanismo discreto. Em contrapartida, soa tão competente quanto impessoal, genérico, semelhante a centenas de dramas de premissas idênticas.

Na prática, não existe nada errado ou questionável com estas escolhas. O drama transparece um humanismo discreto, evitando julgar moralmente a garota pelos gestos bruscos, e tampouco vilanizando o pai pelas atitudes erradas no passado. O comportamento compreensivo da nova esposa do pai, a recusa da meio-irmã mais nova em dividir o quarto e a solidariedade da colega de classe se aproximam de um naturalismo bem orquestrado em termos de ritmo e verossimilhança. Acredita-se com facilidade naquelas pessoas e em seus comportamentos. Pode-se falar numa crônica-padrão da classe média.

Em contrapartida, o longa-metragem deixa de oferecer qualquer ousadia ou posicionamento pessoal em relação aos temas abordados. Soa como uma obra tão competente quanto impessoal, genérica, semelhante a centenas de dramas de premissas idênticas. Neste caso, as comparações se tornam inevitáveis — em detrimento do filme costa-riquenho. É curioso que algumas obras fraquíssimas soem mais corajosas do que aquelas limitadas a uma mise en scène acadêmica, domesticada. Lembra-se dos filmes péssimos que partem de iniciativas arriscadas; já os filmes mornos se diluem nos mares da memória cinéfila.

La Piel del Agua se prova excessivamente dependente de catástrofes e elementos externos para se desenvolver. O acidente da mãe; o pai se deslocando com dificuldade em muletas; o choque posterior envolvendo o namorado. Cada noite nas festas resulta em perigos ou vômito; cada encontro amoroso precisa combinar luto pela mãe com perda da virgindade e aceitação do pai ausente. Velásquez evita se concentrar nas pequenezas, no cotidiano e na simbologia, condensando numa única aventura todos os temas sociais que gostaria de abordar. Prefere se concentrar na ação do que na dúvida, na hesitação — há conflitos demais para psicologia de menos. Em menos de 80 minutos, despeja mais conflitos do que poderia gerenciar a contento.

Ao final, desperta uma sensação ambígua: deve-se felicitar os criadores pela competência evidente de diversas cenas, e pela atuação correta de Ariana Chaves, ou lamentar tamanho investimento num projeto previsível? Ainda na esteira dos Jogos Olímpicos, o filme seria o equivalente a uma apresentação de ginástica olímpica que sai com nota de dificuldade bastante baixa, e depois executa com competência os modestos movimentos propostos. Erra pouco, mas também acerta pouco. 

Em se tratando de uma cinematografia nacional de escassos longas-metragens que viajam pelos festivais afora, a opção pela segurança dificilmente soa como a melhor forma de apresentar uma cultura e um ponto de vista. Por que incluir poucos elementos especificamente costa-riquenhos na viagem de ambição universal (considerando que é preciso “falar de sua aldeia para falar do mundo”?). O projeto desperta mais questionamentos acerca de suas intenções e conceitos do que pelo resultado apresentado em tela. Afinal, o que Velásquez e sua equipe pretendem transmitir ao espectador com esta forma bem-comportada de audiovisual?

La Piel del Agua (2024)
4
Nota 4/10

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