From Hilde, With Love (2024)

Os amores da revolucionária

título original (ano)
In Liebe, Eure Hilde (2024)
país
Alemanha
gênero
Drama, Romance, Histórico
duração
124 minutos
direção
Andreas Dresen
elenco
Liv Lisa Fries, Johannes Hegemann, Lisa Wagner, Alexander Scheer, Emma Bading
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

Hilde (Liv Lisa Fries), conhecida entre os amigos como “a governanta”, é uma garota tímida e estudiosa. Sentindo-se solitária desde que o marido foi enviado à Segunda Guerra Mundial, acaba se aproximando de um vendedor de sorvetes que lhe apresenta a arte da luta contra o nazismo. Assim, munida de muitos afetos e pouca convicção política, ela passa a apoiar soldados contrários ao regime e datilografar cartas subversivas. No tribunal, quando questionada sobre a motivação de seus atos criminosos, ela responde: “Eu amo meu marido”.

O diretor Andreas Dresen filtra sua narrativa da guerra pela perspectiva sanitizada do amor romântico. Oferece, em consequência, uma curiosa revolução light, desprovida de furor ou senso de coletividade. Ele concebe um grupo de amigos se divertindo à beira do lago, montando tendas, nadando, fazendo piadas. Eles nunca leem teóricos progressistas, nem discutem as melhores maneiras de reverter o terceiro Reich. Qualquer grande ato político ocorre longe deste grupo, cujo maior feito (e um dos únicos, aparentemente) foi enviar uma única mensagem de “Boa sorte” aos colegas distantes, em código Morse.

A prisão recebe tratamento semelhante. Pelo menos metade da narrativa se situa no cárcere, onde Hilde é enviada por “alta traição”. O homem que conduz seu questionário transborda de gentileza, toca a barriga da mulher grávida, comenta a respeito de seu próprio bebê a caminho. A carcereira, inicialmente desagradável, afeiçoa-se pela detenta e passa a ajudá-la. O pastor se mostra gentil e solícito ao recebê-la na cela. As colegas de prisão se abraçam, e mesmo o cruel diretor da instituição a deixa em paz. 

Recorre a todos os clichês possíveis do sentimentalismo, ao limite da comicidade. Não há uma única ideia original, ou minimamente criativa em termos de linguagem.

O cineasta aparenta nutrir horror às imagens de violência — algo plenamente justificável. Nenhuma narrativa de guerra é obrigada a reconstituir os horrores desumanizantes do nazismo. Em contrapartida, o cinema oferece inúmeras maneiras de representar os crimes através de sugestões, metáforas e analogias, sem precisar recriá-los enquanto tais. Isso significa que você pode evitar a materialização do horror sem romantizar nem atenuar a luta de grupos que realmente enfrentaram o sistema e correram riscos. 

A escolha da personagem mais pura e ingênua do movimento não se faz por acaso: Hilde ilustra uma forma de inocência defendida pela direção, em detrimento dos ativistas fervorosos e proativos. A atriz compõe uma mulher determinada a não entregar os colegas e o namorado, embora desprovida de malícia, estratégia ou qualquer crença específica para a Alemanha. Como se pode, em pleno século XXI, efetuar um filme apolítico sobre a política, ou uma narrativa pró-revolucionários, com medo de ferir o outro lado da discussão? 

From Hilde, With Love (o título decorre de uma carta escrita pela heroína à mãe) representa esta forma de cinema antiquada, “clássica” no sentido mais empoeirado do termo. Recorre a todos os clichês possíveis do sentimentalismo, ao limite da comicidade. A personagem vomita para indicar que está grávida. Liga o rádio, e escuta exatamente a informação de que o espectador necessita para compreender o andamento da guerra. Recebe uma notícia triste e desmaia no pátio, entre as detentas. Mais uma notícia triste, e cai em posição fetal no chão da cela. Não há uma única ideia original, ou minimamente criativa em termos de linguagem, na abordagem de Dresen.

Os diálogos são ainda piores. “Não me deixe partir antes de te perdoar”, declamam os amantes. “O que eu quero? Que você sobreviva!”, suplica a esposa solitária. “Eu não vou viver até os 50 anos”, ela conclui, em tom fúnebre e premonitório, à mãe doente. Ao receber uma carta, pede ao pastor: “Você pode ler para mim? A sua voz é tão agradável!”, e depois entrar numa reunião secreta, na sala onde a porta ostenta uma plaquinha de “Reunião secreta”. O aspecto novelesco exige que o calvário da mulher seja reduzido em complexidade, restando somente o subtrato mais linear e simples, auxiliado pelas relações claras de causa e consequência.

Os atores se entregam com dedicação às funções que lhes são atribuídas: existe a ativista intempestiva, que briga e diz mais do que deveria; o amante honrado e belo que se afasta dela; o tipo que duvida da capacidade da meiga Hilde em partir para o combate. Mas como pensar em Segunda Guerra se a única representação do passado em linguagem consiste na granulação excessiva da película? Se a única ideia de união se transmite em sequências de pôr do sol, flores balançando ao vento e colegas conversando em volta da fogueira? Os personagens parecem estar em férias, não lutando contra um regime sanguinário.

Quem mais se diverte neste projeto é a montagem, alternando entre presente e passado, em diferentes temporalidades. Os flashbacks dominam a narrativa, sem ordem aparente: descobrimos Hilde antes e depois da gravidez, antes e depois de conhecer Hans (Johannes Hegemann). Alguns fatores são explicados, e lacunas serão completadas à medida que a situação da mulher na prisão se agrava. Não se trata de um recurso particularmente inovador, porém ao menos rompe com a linearidade rígida desta construção histórica monótona.

From Hilde, With Love ainda se estende demais nas sequências finais, hesitando entre encerrar a narrativa com a heroína sozinha, ou então junto a bebê, ao marido, etc. Deveria ser uma vítima, uma figura exemplar às novas gerações? Dresen opta pelo caráter saudosista ao adotar o clichê (mais um) da carta lida em off, por um familiar, décadas depois. O longa-metragem se assemelha à adaptação de um romance sentimental, embora não o seja; e remete às biografias pomposas de pessoas reais, embora também não o seja. Ele somente carrega os vícios destes formatos, como o senso de respeito protocolar, que enaltece valores enquanto diminui qualquer ambiguidade ou caráter sombrio do real.

From Hilde, With Love (2024)
2
Nota 2/10

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