Joyland (2022)

O amor nos salvará?

título original (ANo)
Joyland (2022)
país
Paquistão
gênero
Drama
duração
126 minutos
direção
Saim Sadiq
elenco
Ali Junejo, Rasti Farooq, Alina Khan, Sarwat Gilani, Salman Peerzada, Sohail Sameer, Sania Saeed
visto em
46ª Mostra de SP (2022)

Há muitos motivos para comemorar a abordagem das afetividades em Joyland (2022). Em primeiro lugar, o filme paquistanês apresenta a jornada da dançarina transexual Biba (Alina Khan), com foco em seus afetos, sua liderança no ambiente de trabalho, o temperamento forte e a capacidade de inserir socialmente. Ela nunca será enxergada enquanto vítima sofredora, nem como mulher profundamente resistente. A artista possui qualidades e defeitos, virtudes e vícios, como qualquer um. Instaura-se um olhar mais horizontalizado do que na maior parte de dramas a respeito de personagens trans.

Além disso, o jovem Haider (Ali Junejo), que se apaixona pela nova chefe, também é abordado com carinho, desde as suas falhas enquanto chefe de família patriarcal, até os eventuais deslizes cometidos no relacionamento amoroso com Biba. O diretor Saim Sadiq nunca se preocupa em rotular a afetividade deste homem que se vê, pela primeira vez, apaixonado por uma pessoa não-cisgênero, sendo questionado por sua sexualidade por todos ao redor. O texto se esforça para compreender os pontos de vista de uma dezena de membros da família Rana.

O roteiro cresce muito quando coloca em perspectiva os amores de Haider, Biba, e também da esposa Mumtaz (a excelente Rasti Farooq), a mãe idosa do protagonista, o pai conservador, a cunhada de viés relativamente progressista, etc. Sem sobressaltos, consegue intercalar os amores, desejos e motivações de pelo menos sete personagens, demonstrando a pressão conservadora e religiosa. Ao invés de representarem casos excepcionais, eles se tornam reflexo de uma sociedade mais ampla, regida por regras impostas a todos. O filme funciona, em primeiro lugar, enquanto panorama de um país dividido entre a tradição e a modernidade.

Em contrapartida, alguns fatores despertam certa preocupação, no sentido de que a representação da sexualidade e do gênero seja atenuada para atingir um público mais amplo, dentro de uma configuração clássica e palatável. Joyland abraça o melodrama, valorizando a angústia de Haider e Biba, lidando de maneiras opostas com a violência imposta pelas famílias e a comunidade. Ela extravasa, briga, e aparece na cena inicial coberta de sangue. Ele internaliza, sofre em segredo, enquanto mantém os olhos arregalados, expressando conformismo e pesar. Sua representação sexual será, adiante, aquela de um homem passivo.

A homenagem ou ternura pelos personagens passa pela piedade, pelo reconhecimento de que o outro (a diferença, o marginalizado) sofre muito.

Em outras palavras, a homenagem ou ternura pelos personagens passa pela piedade, pelo reconhecimento de que o outro (a diferença, o marginalizado) sofre muito. O espectador é convidado a se entristecer pelas figuras, pela situação geral, pelo amor impossível em moldes próximos da tragédia (um Romeu e Julieta em versão trans e paquistanesa, digamos). Não por acaso, a única maneira encontrada de representar a seriedade das ameaças reside na morte ao final, como convém às narrativas de precaução (cautionary tales). Aqui, aqueles que sonham e amam de maneira pura precisam ser sacrificados no final — ou então as pessoas próximas deles.

Além disso, a personagem trans jamais se eleva à condição de personagem principal. Ela será observada, em toda a trama, pelos olhares de terceiros: o amor submisso de Haider, o deboche dos dançarinos da boate, a exploração financeira do chefe, o ódio da família conversadora. Conforme o filme expande seu escopo aos dilemas de novos personagens, Biba é a primeira ser deixada de lado, e a narrativa encontra dificuldades de reinseri-la no terço final, quando a tragédia ocupa o filme (vide a sequência tímida do velório). Em outras palavras, ela nunca domina o ponto de vista, nem o discurso da obra. Haider tampouco terá chances concretas ou simbólicas de se emancipar.

É possível enxergar o resultado enquanto lamento de uma situação desfavorável, diante da qual o cineasta se priva de tecer reflexões para além da constatação do problema. A jornada dos protagonistas constitui a metonímia de um conflito, ao invés de uma proposta de debate. Esta leitura dispensa teses a respeito da origem desta configuração sociopolítica, das transformações ao longo do tempo, das possíveis maneiras de superação, ou da responsabilidade do Estado e instituições em sua manutenção. O discurso se volta mais à sensibilização da plateia conservadora do que aos eventuais espectadores gays, trans e outros no país.

Isso não retira de Joyland uma capacidade ímpar de retratar a delicadeza das relações humanas, através das cenas naturalistas e muito bem dirigidas dentro da família Ranas. Sadiq possui o talento de captar belas cenas dos casais na cama, no banheiro, trocando pequenas confidências ou desempenhando tarefas cotidianas. Em paralelo, apresenta Biba em seu dormitório, cercada por objetos, cenários e luzes cuidadosamente pensados para representá-la num misto de idealização e distanciamento (pois vista pelo olhar apaixonado do protagonista). 

O drama possui bom ritmo, articulando sem tempos mortos as cenas de humor e leveza com outras mais graves. Adere, portanto, ao estilo agridoce dos feel good movies voltados à dor de terceiros — para o bem e para o mal. Sadiq embala sua fábula em cores agradáveis, enquadramentos e luzes aprazíveis, trilha sonora para acompanhar sentimentos. Nem a montagem, nem os enquadramentos buscam qualquer forma de fricção, provocação ou perturbação dos sentidos. A obra busca constituir uma experiência popular e terna, apesar da violência dos temas abordados. Questione-se ou não o valor desta abordagem, ela se mostra bem-sucedida em suas ambições cinematográficas.

Joyland (2022)
7
Nota 7/10

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