Suzume (2022)

A menina de todas as magias

título original (ano)
Suzume (2022)
país
Japão
Linguagem
Animação, Aventura, Fantasia
duração
122 minutos
direção
Makoto Shinkai
vozes originais
Nanoka Hara, Hokuto Matsumura, Eri Fukatsu, Shota Sometani, Sairi Ito, Kotone Hanase, Kana Hanazawa, Ryunosuke Kamiki, Hakuo Matsumoto
visto em
73º Festival de Cinema de Berlim

Na escola, aprendemos que os tremores de terra são causados por movimentos nas placas tectônicas. No entanto, segundo o diretor Makoto Shinkai, há uma razão muito diferente: a presença de vermes gigantescos, que encontraram um portal para sair de um mundo alternativo e adentrar o nosso. Trata-se de criaturas mágicas, que poucos escolhidos podem ver. Quando adentram por completo a nossa atmosfera e caem na superfície, provocam os abalos sísmicos responsáveis pela morte de milhares de pessoas.

Como se percebe, Suzume constitui uma alegoria fantástica para a formação dos fenômenos naturais — mas não apenas isso. Esta também é uma jornada de superação de luto, uma história de amor eterno e à primeira vista, um passeio turístico pelo interior do Japão, um mergulho cósmico no mundo dos mortos, a aventura de uma garota comum que se descobre “escolhida” pelo universo, além de uma trama sobre adoção, amizade, valores familiares. É impressionante a quantidade de “grandes temas” abraçados pelo autor numa única narrativa.

Tamanha ambição justifica tanto o caráter espetacular quanto a aparência de saturação no longa-metragem. Em 122 minutos de ação ininterrupta, o cineasta condensa material suficiente para uma série inteira. A experiência de assistir ao projeto se assemelha a maratonar a primeira temporada completa de uma aventura mágica, com toda a riqueza e a fatiga que isso poderia representar. Cada pequeno respiro na trama serve apenas para preparar a chegada de mais uma reviravolta, um deslocamento pelo país, um novo terremoto. Nem Suzume, nem o filme podem parar.

A garota da trama tem 17 anos de idade, e se apaixona de imediato por um rapaz misterioso que cruza o seu caminho. Motivada a revê-lo, embrenha-se por uma cidade abandonada, onde uma porta mágica abre as vias para o tal verme maligno. Há também chaves de pedra, pensamentos positivos para abrir portais, pessoas cristalizadas no Além e inúmeras outras regras explicadas ao longo da trama. O espectador tem pouco a fazer no sentido de desvendar, imaginar, refletir. A avalanche de imagens, sensações e sentimentos é minuciosamente esmiuçada e entregue de bandeja, na hora desejada por Shinkai. 

O discurso se organiza entre uma nostalgia caseira e humilde (o objeto de apreço de Suzume é uma velha cadeira infantil com apenas três pernas) e as configurações de uma sociedade contemporânea, que perde os valores familiares e o senso de comunidade.

A qualidade técnica e poética da animação se revela de fato impressionante. A partir do encontro com Souta Munakata (Hokuto Matsumura), o diretor comprova a capacidade de trabalhar com a profundidade de campo e uma quantidade deslumbrante de detalhes no retrato deste Japão contemporâneo, mais apegado à riqueza naturais do que à tecnologia. (Esta também seria, entre tantos temas, uma fábula sobre o ser humano enfrentando o poder da natureza). O trabalho em formato scope valoriza as paisagens, criadas com um esmero de fotografia, cores e desenho que revela o melhor da animação contemporânea mundial.

Enquanto o horizonte verdejante, os rios e os céus repletos de pássaros ganham um traço mais cartunesco, a criatura maligna e de grande nitidez possui terminações nervosas e brilha como um aparelho eletrônico. No fundo, o discurso se organiza entre uma nostalgia caseira e humilde (o objeto de apreço de Suzume é uma velha cadeira infantil com apenas três pernas) e as configurações de uma sociedade contemporânea, que perde os valores familiares e o senso de comunidade. Não por acaso, os portais mágicos aparecem em locais abandonados da cidade, onde os grupos costumavam se reunir.

Para o público ocidental, algumas produções de sentido podem soar descoladas de nossos referenciais e, portanto, um tanto estranhas. Quando a garota revê Souta, e a câmera deixa claro que se trata do mesmo homem, ela se exclama: “É ele!”. Ao reencontrar a porta buscada, afirma: “É aquela porta!”. Ao perceber que os vermes são invisíveis à maioria da população, grita: “Ninguém está vendo!”. Existe um aspecto de redundância, como se as falas precisassem repetir tudo o que a imagem já mostra, de maneira bastante satisfatória, por si própria. 

Neste sentido, a relação com o público se torna infantil. Isso não significa que a trama se comunique apenas com crianças. Entretanto, o olhar da direção considera um espectador que precisa ser pego na mão, tendo em seguida as relações, explicadas, esmiuçadas, repetidas, até garantir que todos compreenderam os laços entre Suzume, o homem-transformado-em-cadeira e este universo sobrenatural. O projeto constitui um escapismo extravagante, uma forma deliberada de alienação e desprendimento, como Hollywood sempre sonhou em fazer — e nem sempre alcança.

Outros aspectos se assemelham aos códigos da indústria norte-americana, para além da propaganda extensiva de uma rede de fast food e de uma marca de eletrônicos. A figura do acompanhante fofo e engraçado da protagonista, que a ajuda enquanto se mete nas próprias confusões (o sidekick propenso a gerar bonecos e produtos derivados), adquire um novo contorno pelas figuras da cadeira que fala e do gato mágico. A redenção da menina, a prova do amor eterno, os reencontros simbólico com a mãe, e efetivo com a tia, se dão nos instantes exatos que se aguardaria tais acontecimentos, para maximizar a recompensa emocional ao público. Os múltiplos finais arrastam um pouco a conclusão, porém garantem que todos os aspectos morais sejam devidamente trabalhados pela obra.

Ao final, a originalidade se combina com uma fórmula rígida. O cinema de monstros invadindo cidade se casa com o romance impossível, o drama espiritual, a aventura, a fantasia, a ficção científica. Os círculos de discussão sobre cinema têm perdido o sentido do termo “cinema total”, aplicado a obras que buscam conter um pouco de todos os elementos e gênero, juntando emoções variadas à ação e ao suspense, apelando ao público adulto e infantil, de todos os espectros político-ideológicos. Suzume constituiria um dos raros exemplares, endinheirados e extravagantes, de cinema total. 

Suzume (2022)
6
Nota 6/10

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