The White Lotus T02 (2022)

Todo afeto será castigado

título original (ano)
The White Lotus (2022)
país
EUA
gênero
Drama, Suspense
duração
7 x 60 minutos
direção
Mike White
Elenco
Jennifer Coolidge, Aubrey Plaza, Haley Lu Richardson, Will Sharpe, Simona Tabasco, Leo Woodall, Adam DiMarco, Michael Imperioli, Meghann Fahy, Sabrina Impacciatore, Theo James, Beatrice Grannò, F. Murray Abraham, Tom Hollander, Jon Gries
visto em
HBO Max

As perspectivas de uma segunda temporada de The White Lotus não eram animadoras. A trama original se encerrava muito bem, deixando pouca oportunidade a uma segunda viagem pelo hotel. No entanto, a audiência e os prêmios levaram a HBO Max a investir numa jornada distinta, desta vez por uma filial italiana, reprisando uma única personagem: Tanya McQuoid-Hunt (Jennifer Coolidge), a mulher rica, carente e ingênua, incapaz de perceber a exploração que pratica em pessoas mais pobres. Pareciam misteriosos os motivos que levariam a mulher a uma nova estadia no resort, após a catástrofe precedente, terminada em morte.

No entanto, é importante constatar que a segunda viagem de turistas americanos-britânicos a um destino exótico não se repete. Teria sido simples reproduzir a mistura de cinismo, comentário político e luta de classes no interior da estrutura luxuosa. A disposição dos personagens apontava a uma cópia, ao primeiro olhar: Cameron (Theo James), o tipo musculoso e rico, assumiria a função de Shane (Jake Lacy) na jornada anterior. Portia (Haley Lu Richardson), a garota pobre para uma estadia tão extravagante, se assemelha a Rachel (Alexandra Daddario) na última viagem. A gerente lésbica, Valentina (Sabrina Impacciatore), resolvendo seus impulsos sexuais com figuras mais jovens nas dependências do hotel, soa como uma extensão direta do igualmente controlador Armond (Murray Bartlett), o gerente gay no texto original.

Ora, desta vez, a sociologia cede espaço à psicologia. Os funcionários perdem importância, e nada tão urgente quanto um parto no primeiro dia de trabalho ocorrerá durante a estadia dos protagonistas. O tom próximo do absurdo (vide o encerramento catártico da primeira temporada) é substituído por um teor melancólico. Estas pessoas ricas, aproveitando as férias num paraíso de sol e belas paisagens, são profundamente tristes — todas, sem exceção. Elas foram dispensadas pela esposa (Dominic); vivem um relacionamento morno, sem paixão (Harper e Ethan) ou repleto de traições e desconfianças (Cameron e Daphne); detestam o trabalho (Portia) ou os companheiros de viagem (Albie). Quase ninguém desejava estar ali de fato. A vida dos ricos soa ironicamente vazia.

Teria sido simples reproduzir a mistura de cinismo, comentário político e luta de classes no interior da estrutura luxuosa. […] Ora, desta vez, a sociologia cede espaço à psicologia.

Agora, há tanto diálogo quanto silêncio. Os ataques verbais diretos, movidos por garotas arrogantes lendo Freud e Nietzsche são substituídos por insinuações, pequenas provocações ou mal-entendidos. Pior do que aquilo que se disse, será algo que se imaginou escutar ou ver. Maridos ficam frustrados por supor a traição das esposas, Tanya se sente abandonada pelo marido, a jovem dupla de casais troca pequenas farpas no café da manhã e no jantar — o que não os impede de se reverem no dia seguinte, como se nada tivesse acontecido. Dominic acredita ter visto prostitutas saindo do quarto do pai idoso, Bert (F. Murray Abraham) que, por sua vez, pode jurar ter visto as mesmas prostitutas saindo do quarto do filho. Muitas coisas podem ter acontecido, ou talvez nunca tenham ocorrido e fato.

Isso confere à série uma atmosfera de suspense low burning – neste caso, extremamente low. Durante os três primeiros episódios, a narrativa avança pouquíssimo em termos de conflitos, e mesmo de atividades. Os personagens se testam, se medem com o olhar, plantam uma semente de briga que parece nunca brotar, ou uma possibilidade de tensão sexual que jamais se concretiza. O criador Mike White não demonstra pressa em trazer novas surpresas e eventos à trama. Pelo contrário, dedica-se a desenvolver calmamente os traços de personalidade de cada personagem, detalhando seus desejos, seus objetivos para o futuro, suas inseguranças, sua relação com o sexo, o dinheiro, a cultura distinta.

É difícil pensar que qualquer outra produtora aprovasse roteiros marcados por uma atmosfera opressora, onde “nada acontece” no sentido estrito do termo. Brigas serão esquecidas no dia seguinte, possíveis traições são ignoradas, roubos de celulares passam como pequenos lapsos de memória, um dinheiro não pago se estende por pelo menos três episódios. A Netflix jamais criaria uma série inspirada em Michelangelo Antonioni e outros autores do cinema italiano, conhecidos por imensas qualidades estéticas e de imersão nos personagens, mas não por sua agilidade narrativa. A HBO Max apela a um público adulto, o mesmo que tem evitado as salas de cinema, embora permaneça fiel à atmosfera erótica e perigosa deste projeto.

Afinal, a premissa se inicia de maneira quase idêntica: a chegada dos clientes ricos e “VIP”, a descoberta de uma morte encerrando o primeiro episódio e sustentando o clima de adivinhações até a revelação, apenas na conclusão. Quem matou? Quem morreu? Por quê? Estas pessoas deprimidas (em oposição a cínicas, no grupo anterior) terão como destino inevitável a morte coletiva? A única maneira de levar seu prazer às últimas circunstâncias (pelo gozo, pela viagem, pela ostentação do consumo) seria na destruição de si e dos outros? Ao invés da perversidade das tramas sobre crimes reais, dominantes nas plataformas de streaming, paira neste caso a ideia da morte enquanto inevitabilidade, uma certeza quase reconfortante a longo prazo. Neste cenário, os mais jovens serão também os mais niilistas e sombrios: Portia acredita estar vivendo o pior período da humanidade; Albie denuncia sua percepção de homens machistas, mulheres vitimizadas, desigualdades provocadas pelo dinheiro. A sociedade, como a conhecemos, está em ruínas. 

Nenhum elemento dialoga melhor com o medo da morte do que a materialização do sexo. Muitos personagens têm relações sexuais nesta trama, entretanto, eles jamais o fazem de maneira leve e prazerosa. Os atos são movidos por culpa, arrependimento, medo, tédio, desprezo. Transa-se com quem não deseja, seja por dinheiro (caso das duas prostitutas, e de mais um personagem na reta final), seja por falta de opções (caso de Greg e Valentina). Pensa-se em sexo o tempo inteiro, geralmente de maneira torpe, perversa, rica em julgamentos morais. Dominic vigia as mulheres com quem o filho sai; os funcionários desprezam a presença das duas prostitutas, embora eles próprios estejam sedentos por companhia; Harper e Ethan condenam o estilo ostensivo dos amigos Cameron e Daphne que, em contrapartida, deploram a falta de paixão nos colegas.

Nenhum elemento dialoga melhor com o medo da morte do que a materialização do sexo. Muitos personagens têm relações sexuais nesta trama, entretanto, eles jamais o fazem de maneira leve e prazerosa. Os atos são movidos por culpa, arrependimento, medo, tédio, desprezo.

A segunda temporada apresenta atuações excepcionais. O numeroso elenco é dirigido de maneira orgânica, coesa, sem que um nome se destaque muito dos demais, nem positiva, nem negativamente. Os atores são convidados a brincar com variações de suas personas e das aparências que emanam. Afinal, trata-se de um grande jogo de aparências mantidas pelo dinheiro e pelo matrimônio. Aubrey Plaza explora a mulher de estilo neurótico, sempre negativa, em oposição à leveza quase caricatural de Meghann Fahy. Adiante, terão a oportunidade de revelar a insegurança para a primeira, e as dores emocionais para a segunda. Adam DiMarco brinca com o aspecto de bom moço, ao limite da ingenuidade, em oposição ao teor voraz e sexualizado de Theo James. (Ambos serão punidos pelo excesso ou falta de malícia). O aspecto de paródia, ou pelo menos do humor do absurdo, surge do confronto entre estereótipos que se extravasam, encontrando seu ápice em Jennifer Coolidge, atriz de olhos semicerrados, lábios projetados e uma fala doce, no limite do infantilóide.

A direção se concentra neste jogo cênico, baseado em diálogos de uma precisão impecável, pela capacidade de expressarem um sentido imediato enquanto sugerem outro, secundário. Os personagens digladiam-se em cena, geralmente à mesa ou à beira da piscina. Após uma cena diminuta, marcada por sugestões sexuais e de assassinato (os amigos tentam se afogar de fato; Portia envolve-se com um rapaz de moral duvidosa), surge outra, de confronto real, para então voltar-se à aparência de calmaria. O ritmo se articula como as ondas, entre maré alta e maré baixa, entre aparência de beleza e sugestão implícita de perigo. Não por acaso, a principal morte ocorrerá por afogamento, e outras possibilidades de afogamento se anunciam antes disso. O grupo será tragado, literalmente, pelo ambiente caro de que dispõem durante as férias. Eles são consumidos pelo que consomem. O roteiro garante que as duplas e trios se reconfigurem, de modo que as garotas italianas percorram diversos núcleos narrativos, que Albie e Portia se separem, que o quadrado formado por Cameron, Harper, Ethan e Daphne se reconfigure em todas as duplas possíveis.

The White Lotus se revela uma série apaixonada por personagens, em detrimento de acontecimentos, reviravoltas e imagens grandiosas. Mike White explora tanto as paisagens ensolaradas quanto os dias cinzentos, nublados, e a decoração kitsch dos quartos reservados aos mais ricos. Quadros na parede, bustos ao lado da cama, estadias em palácios oferecem uma imagem ainda mais complexa da vacuidade decorrente do dinheiro — de maneira mais sutil e interessante do que a fúria de Shane, na temporada inicial, lutando para conseguir o quarto VIP reservado por sua mãe. Paira a sensação de um local tão belo quanto irreal, idealizado, e repetitivo ao longo dos dias. Uma praia e uma piscina podem ser lindas, no entanto, após diversos dias, oferecem pouco ao olhar. A fotografia sabe captar a impressão de cansaço.

Em paralelo, o trabalho de som direto e de trilha sonora oferecem o ambiente sonoro mais rico e complexo visto nas séries contemporâneas. A ambientação calorosa, lânguida e libidinosa jamais se concretizaria sem os temas da trilha, ou ainda sem o barulho do mar, os ruídos ao redor, e as conversas escutadas pela metade, à distância. A equipe de som estabelece textura, delimita espaços, e trabalha o silêncio à perfeição, quando necessário. As manhãs de Harper de Ethan soam opressoras, enquanto o barulho calmo das ondas do mar constrói a ironia da cena. Tanya consegue se sentir solitária, frustrada, e finalmente, em perigo, entre o grupo de “gays ricos”, num trabalho que deve muito ao som. A montagem segura os olhares por um segundo a mais que o natural, proporcionando a impressão de que alguma coisa está fora do lugar, e de que existe algo além daquilo que os diálogos revelam. 

É certo que algumas falhas diminuem o impacto do resultado. Nem todos os personagens ganham um aprofundamento à altura dos atores e de sua função na trama. Portia e Bert se desenvolvem pouco, e Valentina demora a conquistar o foco para si. O motivo da viagem para descobrir as raízes italianas, caso do núcleo de avô, pai e filho, jamais convence, pela facilidade com que é abandonada pela narrativa; a questão da empresa de Cameron e Ethan e da situação financeira de ambos também é mal detalhada; e o relacionamento de Tanya com Greg, após a partida deste último, beira o esquecimento. Nenhum conflito será tão potente quanto o dilema envolvendo o novo empreendimento da massagista, ou o possível homoerotismo no tratamento com um “pai de família”, vistos na temporada inicial. White troca uma série de acontecimentos chocantes, na viagem anterior (em especial, o desfecho), por uma pulverização de pequenas sugestões de acontecimentos perversos.

A montagem também aposta em sobreposições e fusões pouco expressivas, quando se questiona se os criadores estão criticando a estética cafona dos turistas e do hotel, ou apenas sendo cafonas por si mesmos. Sequências como a viagem de Tanya numa motocicleta, ou as sucessivas escapadas de Portia com Jack, mereceriam melhor realização, no caso da primeira, e maior variação, para a segunda. No entanto, estes elementos se tornam meros detalhes diante da impressionante qualidade humana do texto e das atuações. A primeira temporada era tão incisiva quanto cínica, já a segunda soa desencantada, fatalista. Ao final, nenhum dos personagens sorrindo no aeroporto estará realmente feliz. O grupo já tinha sido condenado, desde a cena inicial, à condição de refém de seus próprios desejos. 

The White Lotus T02 (2022)
8
8/10

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