Till — A Busca por Justiça (2022)

Choram os bons

título original (ano)
Till (2022)
país
EUA
gênero
Melodrama
duração
130 minutos
direção
Chinonye Chukwu
elenco
Danielle Deadwyler, Jalyn Hall, Frankie Faison, Haley Bennett, Jamie Renell, Whoopi Goldberg, Sean Patrick Thomas, John Douglas Thompson, Gem Collins, Diallo Thompson, Tyrik Johnson, Enoch King
visto em
Cinemas

Mãe e filho passeiam de carro pelas ruas da cidade. Eles sorriem, escutam música, cantam juntos. É um dia de sol. No entanto, poucos segundos depois, o rosto da mulher se torna mais sério. Ela parece enxergar algo que não vemos, alguma ameaça grave. Olha para o banco ao lado, onde se encontra o garoto, e manifesta uma expressão sombria. Os olhos começam a lacrimejar. Esta é a primeira cena de Till — A Busca por Justiça, um melodrama premonitório a respeito do superpoder da maternidade.

Nas sequências seguintes, Mamie (Danielle Deadwyler) expressa uma preocupação incontrolável com a visita iminente do filho Emmett Till (Jalyn Hall) aos primos no Mississippi. Quando se encontra com as amigas, discute logo os perigos da cidade grande para um rapaz negro: ele saberia se comportar? Ao filho, implora três vezes que se comporte, demonstre humildade, “seja pequeno”. Ela chora sozinha, em frente à penteadeira. Chora quando o garoto parte, e quando está na casa dos tios. Mamie pressente que algo errado ocorrerá.

O destino a provará certa, é claro. O espectador provavelmente entra nesta sessão com plena consciência de que o garoto será sequestrado, torturado e assassinado por um grupo de brancos racistas — sendo este o motor da narrativa, baseada numa história real. Por isso, o projeto insiste em dizer que a mãe tinha razão o tempo inteiro, e que todos os seus pesares eram justificados. A avó do garoto, os primos, os tios e vizinhos incentivavam o passeio. Ela foi a única a antever uma tragédia que, segundo a condução da diretora Chinonye Chukwu, consistia numa escolha providencial. A morte tinha que acontecer; era inevitável.

Esta impressão decorre de algumas decisões de estrutura e gênero. Em primeiro lugar, o filme abraça sem meios-termos a narrativa da mãe coragem, ou seja, a mulher virtuosa que luta contra tudo e todos em nome do filho querido. Mamie enfrenta a humilhação, a dor diante do cadáver desfigurado, a pressão dos advogados de defesa dos criminosos, a destruição pública de sua reputação e as mentiras contadas no tribunal. Em todos os instantes, mantém-se pura, íntegra, persistente e inabalável, face a testemunhas, juízes e jurados intragáveis.

A cineasta prefere o melodrama ao drama. Isso significa que as emoções serão priorizadas em relação à lógica; e que a música trata de sublinhar os sentimentos bastante claros por si próprios.

Além disso, a cineasta prefere o melodrama ao drama. Isso significa que as emoções serão priorizadas em relação à lógica; e que a música trata de intensificar e sublinhar os sentimentos bastante claros por si próprios. A orquestra possui um trabalho quase ininterrupto durante os 130 minutos de duração, com ênfase nos pianos tristes e violinos tristíssimos. A heroína será destituída de racionalidade, sendo tomada puramente por virtudes e emoções. Logo, ela diz coisas que não deveria por impulso; chora desesperadamente em público; desloca-se à cidade do julgamento apesar de conselhos dos familiares para ficar em casa. 

Para o filme, quanto menos ponderação ou reflexão Mamie demonstrar, mais claras serão as suas qualidades de mãe lutadora e aguerrida. Os verdadeiros bons choram, gritam, lacrimejam, lamentam, desmaiam de dor. O homem bom (ou a mulher boa) é aquele que sente; em detrimento daquele que pensa, o fraco ou perverso, que planeja e orquestra planos. Por isso, a descoberta da morte de Emmett é acompanhada de um “efeito Hitchcock” de profundidade de câmera; a chegada do caixão motiva um plano extremamente próximo dos olhos da atriz; a revelação do corpo brutalizado ganha um zoom rumo às cicatrizes e inchaços.

Chukwu possui uma mão pesadíssima na direção. Ela pretende, a todo instante, dizer que a tragédia foi grave, gravíssima. Por isso, reproduz a pedagogia do choque defendida por Mamie. A mãe enlutada promove uma visitação ao corpo do filho, com o caixão aberto, para que todos saibam do que os brancos são capazes nos Estados Unidos segregacionistas. O filme age de maneira semelhante, escancarando um mal bastante visível, esfregando-o na cara do espectador, com finalidade pedagógica. “Está vendo o que aconteceu? Está vendo mesmo? Olha como foi horrível? Olhe de novo”, sugerem as imagens.

Isso significa que toda a dor precisa ser mostrada, exteriorizada, ao invés de sugerida ou representada de maneira metafórica, poética, lúdica. Danielle Deadwyler chora em diferentes níveis e intensidades durante pelo menos dois terços de suas cenas. Ela possui o olhar grave, lacrimejando ou lutando contra as lágrimas a cada instante. O espectador precisa procurar junto aos coadjuvante para encontrar alguma forma de sutileza ou contradição — vide a bela atuação de Whoopi Goldberg como Alma, ou de John Douglas Thompson no papel do tio em conflito.

Também seria injusto criticar as habilidades dramáticas de Deadwyler, que apenas cumpre, de maneira eficaz, a cartilha profundamente sentimental exigida pela diretora. As atuações, a trilha sonora, a direção de fotografia em tom solene e a direção de arte sem meios termos (vide as roupas impecáveis e modestas da mãe, contra a roupa desleixada dos agressores) fazem parte de um maniqueísmo calculado, e desejado como tal. Till — A Busca por Justiça poderia ser uma obra narrada pelo ponto de vista jurídico, político, ou como uma crônica de costumes. Os criadores preferem a perspectiva moral.

Assim, o longa-metragem cumpre o seu propósito de tentar educar espectadores intolerantes rumo a um pouco mais de empatia em relação às diferenças. Apesar de ser dirigido por uma mulher negra, tendo como temática as pessoas negras, ele se volta sobretudo aos espectadores brancos, a quem se reclama um senso de justiça e autoanálise. É impossível mesurar o impacto desta mensagem de choque no público, que pode apenas recalcar o conteúdo ou dispensá-lo por “não lhe dizer respeito”, assim como fazem os fumantes diante de fotografias de pulmões necrosados em maços de cigarro. O cinema nunca foi um bom instrumento de catequese.

Eficaz ou não no propósito hercúleo de transformação social e diminuição dos preconceitos, ele terá transmitido sua mensagem com clareza extrema. Cabe ao espectador determinar se aprecia ser ensinado, ou seja, que lhe digam exatamente o que pensar, quem amar e quem odiar, ou se prefere que lhe deixem brechas para tomar as próprias conclusões a partir de contradições e complexidades sociais. 

Till — A Busca por Justiça (2022)
6
Nota 6/10

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