Ela e Eu: “Todos se transformam a partir desta mulher que não faz nada: ela apenas acorda”

Nesta quinta-feira, 21 de julho, os cinemas brasileiros recebem um belo drama brasileiro: Ela e Eu, dirigido por Gustavo Rosa de Moura (de Canção da Volta). O cineasta acompanha a rotina de uma família particular: durante o parto da filha, Bia (Andrea Beltrão) sofre um problema de saúde e entra em coma. Nos próximos vinte anos, o marido (Eduardo Moscovis) segue cuidando desta mulher, enquanto se apaixona por outra pessoa (Mariana Lima). Esta última integra o núcleo familiar e se torna a mãe adotiva da filha do casal (Lara Tremouroux).

Um dia, no entanto, Bia acorda. Aos poucos, retoma a fala, os sentidos, o movimento do corpo. Todos ficam felizes, mas a família entra em crise com as duas mães e esposas, suscitando reações também na cuidadora (Karine Teles), na namorada da filha (Jéssica Ellen), nos amigos (Bella Camero), etc. Ora, que espaço existe para uma família como esta? O projeto retrata com respeito as questões de sexualidade, drogas e posicionamento político, defendendo o diálogo e o respeito ao outro em plena crise política brasileira.

O Meio Amargo conversou com Andrea Beltrão, Mariana Lima e Gustavo Rosa de Moura a respeito do filme vencedor dos prêmios de melhor ator, atriz e roteiro no Festival de Brasília:

Gustavo, Canção da Volta era um filme catártico. Já Ela e Eu é muito mais contido. Como enxerga este caminho?

Gustavo Rosa de Moura: São filmes muito diferentes. O Gustavo que fez aquele primeiro filme também é muito diferente de mim hoje. Além disso, o mundo mudou, as situações mudaram. Cada história evolui de um jeito misterioso. É claro que a gente faz um cinema autoral, que tem muito do diretor, mas o cinema é bastante coletivo. O processo toma formas misteriosas. É diferente de um texto, que você pode produzir sozinho. Quando você faz um filme, são muitas pessoas, condições, isso envolve produção, dinheiro… A coisa toma caminhos próprios, e quando você vai ver, já aconteceu. Neste caso, foi um filme maior, que teve mais colaboração de roteiro, dramaturgia. Isso foi uma novidade para mim. Nunca tinha tido um processo tão colaborativo, o que deixa muitas marcas. Meu próximo filme também vai trazer muito dessa vivência coletiva que tive agora.

Andrea, você também assina o roteiro. Já escreveu pensando em interpretar a Bia? Qual é a experiência de escrever para você mesma?

Andrea Beltrão: O que me interessava na Bia é a situação de total falência, porém cercada de afeto por todos os lados. É uma pessoa que não responde mais por ela, e depende de todos para qualquer coisa. Mas ela não está abandonada. Este núcleo é muito explosivo para todos os lados, com repercussão para cada um dos protagonistas. Quando a gente escreveu, eu não tinha uma preocupação em escrever para mim. Isso não caberia, nem ajudaria o filme, nem a mim, nem ao Gustavo. Qualquer colaboração no roteiro precisa ser na direção daquela história, do que queremos contar. Não acredito numa escolha de mensagens para o filme — cada um pode assistir e interpretar de uma maneira diferente. Eu sabia que interpretaria a Bia, mas precisava de uma abertura para contar a história dessa personagem, nesta situação dramática, junto do impacto em todos ao redor. As jornadas de todos se transformam a partir desta mulher que não faz nada: ela apenas acorda. Com a entrada da Mariana, do Du, da Lara, essa contribuição deu muita concretude à discussão. Assim, chegamos num lugar que interessava a todos.

Mariana, como você descreveria esta personagem, enquanto mãe e esposa, dentro de um núcleo familiar tão peculiar?

Mariana Lima: Ela é uma mulher absolutamente normal. Não sei o que seria isso, mas ela não se parece comigo, com a Andréa, nem com ninguém que eu conheça. Ao mesmo tempo, ela se parece com muitas mulheres. Muitas atrizes poderiam fazer este papel, e cada uma contribuiria com uma pegada diferente. É um papel maravilhoso, porque ela representa o contraponto, o contraplano. A outra acorda, e ela está lá. Ela fica nervosa, porque a filha não conversa mais com ela como antes. Queria fazer esta mulher da maneira mais humana possível. Queria que ela fosse carnuda, carnal. Nada de uma mulher ideal, nem um tipo específico de mulher, sabe?

Qual são os prazeres e desafios de fazer um filme coral, sem protagonista definido?

Mariana Lima: É muito bom trabalhar assim. Eu prefiro, sinceramente. Essa abertura, a sinceridade de todos os adultos trabalhando juntos comprova que não estamos de brincadeira. Estamos usando dinheiro público, na maior parte das vezes, para contar uma história que muitas pessoas vão ver. Elas podem se identificar ou não. É uma responsabilidade muito legal quando é dividida com o diretor, ao contrário daqueles cineastas no alto do seu pedestal, mandando as pessoas fazerem as coisas. Todos nós nos sentimos responsáveis pelo filme também.

Gustavo Rosa de Moura: Essa é uma coisa muito interessante e complexa. A gente queria, a partir de dado momento do roteiro, ter todos participando ao mesmo tempo, dando opiniões. É super complexo do ponto de vista de montagem. Tecnicamente falando, na hora de montar, é um desafio enorme porque temos muitas histórias, muitas curvas. Os personagens principais dessa história saem de um lugar e chegam a outro, com várias transformações. Cuidar de todas essas curvas equilibradas com o ritmo do filme, na duração desejada, é um desafio narrativo interessante. A montagem foi difícil e bem complexa. Mas isso estava no DNA do projeto, no que a gente estava construindo. Antes, o título era diferente. Agora, “Ela e Eu” tem a ver com isso, porque esse “Eu” são vários. No limite, é o próprio espectador. Cada um desses “Eus” tem sua história contada dentro do filme. Além disso, não é uma estrutura hollywoodiana clássica, com um protagonista. Foi um roteiro complicado de tecer.

Qual é a importância de debater, no Brasil de hoje, esses novos modelos familiares? O filme se dedica a um núcleo progressista, ao invés de conservador.

Andrea Beltrão: A importância é total. O mais importante é viver: que pena que a gente tenha que debater sobre isso, ao invés de ser uma escolha livre para o caminho de cada um. Tem uma frase bem prosaica do Dráuzio Varella, e eu adoro: “Quando o seu vizinho está na casa dele fazendo algo que te incomoda, procure um psiquiatra. Você não está bem”.

Mariana Lima: Se o seu vizinho é homem e está saindo com outro homem, não tem problema nenhum.

Andrea Beltrão: Isso. Se ele está levando a vida dele, sem fazer nada com você, e mesmo assim isso te incomoda, vá ao psiquiatra rápido. Mas as coisas estão se movimentando, Tem placas tectônicas se abrindo, tem forças importantes e vibrantes ocorrendo agora. Talvez no futuro a gente nem debata mais essas coisas: vamos apenas viver. Só viver, cada um do jeito que quiser.

Gustavo Rosa de Moura: A gente quis fazer isso sem ficar tematizando essas coisas. Esse não era o assunto do filme. Quanto mais a gente encarasse tudo isso com naturalidade, melhor.

Andréa Beltrão: Curiosamente, quanto mais natural era para a gente, mais incluímos estas questões no filme.

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