Landscapers: Primeira temporada (2021)

Que cara têm os assassinos?

título original (ano)
Landscapers (2021)
país
Reino Unido, EUA
gênero
Drama, Suspense, Policial
duração
4 x 50 minutos
criador
Ed Sinclair
direção
Will Sharpe
elenco
Olivia Colman, David Thewlis, Kate O’Flynn, Dipo Ola, Daniel Rigby, Samuel Anderson, Maanuv Thiara, Felicity Montagu, David Hayman, Kathryn Hunter
visto em
HBO Max

O principal motor de estranhamento e humor nesta minissérie surge do pressuposto a respeito do comportamento de assassinos. Espera-se que fujam da polícia, sejam mentirosos ou manipuladores, e tentem se proteger a qualquer preço. Uma dupla capaz de matar duas pessoas idosas pelo dinheiro de um imóvel, enterrando seus corpos no quintal de casa, teria a aparência de indivíduos sórdidos, com traços de psicopatia. Na maioria das séries policiais, figuras do tipo receberiam um tratamento sombrio, para dizer o mínimo.

Ora, Susan Edwards (Olivia Colman) e Christopher Edwards (David Thewlis) são o cúmulo da gentileza e da discrição. Eles se entregam aos policiais com uma calma impressionante. Cumprimentam a todos, dizem “boa noite” e “desculpa”, antes de agradecerem a comida recebida durante a detenção. “Passe meus elogios ao chef. É muito difícil fazer ovos assim. Mas infelizmente, não estou com muita fome”, justifica-se a mulher. Já o marido envia e-mails educados aos policiais, detalhando a maneira como enterrou os cadáveres.

Landscapers (2021) explora o atrito entre aparência e essência, ou fatos e percepções. O roteiro nos lembra a cada cinco minutos de dois fatores simultâneos: 1. Eles foram condenados a 25 anos de prisão por homicídio, e 2. Eles possuem a aparência de um casal gentil, com que o espectador é levado a se identificar. Sim, ela gasta dinheiro em cartazes raros, autografados por estrelas de Hollywood, aprofundando a crise financeira dos dois. De fato, ele participa de diversas entrevistas de emprego na França para bancar os caprichos da esposa, mas é recusado pela barreira linguística.

Seria possível exagerar a cortesia destes anti-heróis por uma ótica caricatural, ou patológica. Susan poderia ser obsequiosa por algum trauma de infância que teria despertado a incapacidade de reconhecer a gravidade do seu crime. Christopher seria o macho protetor, um tanto condescendente, e obcecado pela proteção de seu pequeno núcleo familiar. Eles seriam doentios por causa da polidez excessiva em momentos de crise. Ora, o diretor Will Sharpe, a partir do roteiro de Ed Sinclair, evita acentuar os traços ao limite do estereótipo.

Em paralelo, a narrativa foge do aspecto de reconstituição dos fatos rumo a uma verdade inquestionável. Há flashbacks imaginários dele, dela e dos policiais, quando versões diferentes e contraditórias serão narradas ao espectador. Ao final, ninguém saberá ao certo o que ocorreu naquela casa, nem a motivação precisa das mortes. Chris teria participado do crime, ou apenas acobertado o gesto de violência da esposa? Ela seria uma mulher “frágil”, como tanto se insiste, ou uma “mercenária”, conforme atesta um dos depoimentos? Não saberemos.

Ao invés de observar os complexos personagens pelo prisma do julgamento moral, o espectador se depara com uma inesperada história de amor. Sharpe traça uma paixão que dura décadas, oscilando entre o controle doentio, o amor protetor, e um laço passivo-agressivo (ele adora tê-la em seu poder; ela ama ser cuidada). O advogado Douglas Hylton (Dipo Ola), personagem de pouca importância na trama, dispara um dos diálogos mais interessantes, em direção a Susan: “Espero que minha namorada fale de mim como você fala do Chris”. Somos levados a invejar este relacionamento parte idealizado, parte tóxico. 

Sharpe oferece um espetáculo pirotécnico para romper com o real e criar uma fantasia sinistra.

Tamanha complexidade psicológica já seria um motor de conflito suficiente para a curta duração da minissérie de quatro episódios. Os excelentes atores desenham uma variação emocional impressionante: Olivia Colman aposta numa doçura improvável, o que culmina na poderosa cena do tribunal, enquanto David Thewlis faz da educação o escudo de uma violência reprimida. Ela, terna demais, e ele, formal em excesso, esconderiam um viés de selvageria por trás deste amor quase inverossímil (“Se você me dissesse que eles são alienígenas, eu acreditaria”, explica a madrasta dele) e pela relação fusional com ficções cinematográficas, abraçadas pela dupla como realidades alternativas. 

No entanto, a direção vai muito além em suas escolhas estéticas. Sharpe oferece um espetáculo pirotécnico para romper com o real e criar uma fantasia sinistra. As cenas inicialmente naturalistas adquirem luzes artificiais (profundamente verdes, vermelhas, azuis), enquanto locações reais têm as paredes derrubadas até revelarem um cenário teatral, com a equipe por trás, além das câmeras e do equipamento de luz. Às vezes, as sequências investem num flashback insano em preto e branco onde os atores, com suas idades atuais, interpretam adolescentes. Em outros instantes, a batalha jurídica se converte em faroeste.

As brincadeiras são interessantes de ver, por romperem com a previsibilidade da investigação, porém apontam a rumos díspares demais. A construção metalinguística dos espaços-cenários permitiria enxergar nesta ficção uma simples construção fantasiosa do caso verídico, relembrando o espectador de nos encontrarmos diante de uma versão subjetiva e parcial da história, ao invés de sua revelação tal qual. Ora, esta pista jamais se aprofunda enquanto discurso, sendo abandonada na reta final.

A relação com o faroeste, os suspenses noir e outros gêneros hollywoodianos sugere a incapacidade de Susan e Christopher em distinguir o real do imaginário, graças à paixão desmesurada por ficções. Eles seriam parentes não muito distantes de Cecilia (Mia Farrow) em A Rosa Púrpura do Cairo (1985), ou de Betty (Renée Zellweger) em A Enfermeira Betty (2000). Em contrapartida, a tese do delírio também será descartada a seguir. Rumo ao clímax em estilo western, o diretor será o único percebendo o mundo como um terreno de fantasia, em oposição a seus personagens.

A conclusão de cada episódio contém um elemento ainda mais questionável: uma reportagem verídica narrando os fatos relacionados ao crime. Neste momento, a ficção tenta se validar pela proximidade com o real, quando o espectador descobre que, de fato, as sequências apresentadas até então condizem com os relatórios policiais. O delírio se torna refém das evidências, como se pedisse desculpa pelas invencionices, sustentando que, apesar de tudo, ainda serve de relato histórico. 

O conceito se contradiz: existe uma vontade profunda de, ao mesmo tempo, se colar aos acontecimentos e se desprender deles, tornando-se uma série policial convencional, e também uma série que despreza as convenções policiais. Landscapers encanta quando aprofunda a psicologia de duas figuras misteriosas, sem cair na armadilha de explicá-las; mas decepciona quando se perde em vaidades de direção que desviam o olhar de uma trama que necessita de cuidado e atenção.

Landscapers: Primeira temporada (2021)
6
6/10

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