Terrifier 2 (2022)

O marketing do espetáculo

título original (ano)
Terrifier 2 (2022)
país
EUA
gênero
Terror
duração
138 minutos
direção
Damien Leone
elenco
David Howard Thornton, Lauren LaVera, Elliott Fullam, Catherine Corcoran, Jenna Kanell, Kailey Hyman, Samantha Scaffidi, Felissa Rose, Katie Maguire, Casey Hartnett, Griffin Santopietro, Chris Jericho, Amelie McLain, Sarah Voigt
visto em
Cinemas

A presença de Terrifier 2 nas salas de cinema representa uma surpresa. Em primeiro lugar, é dificílimo encontrar no circuito comercial um terror gore, incluindo membros decepados, rostos desfigurados e litros de sangue jorrando pelos ares. Em geral, o terror disponível se divide entre as grandes produções “de arte” (A24, em especial) e aquelas de baixíssimo orçamento, contentando-se com clichês básicos (garotinha possuída, jovens perseguidos por serial killer na floresta, família se mudando para casarão assombrado, etc.). Neste caso, os custos são tão modestos que a mínima bilheteria local já se prova lucrativa às distribuidoras nacionais.

Em segundo lugar, o lançamento brasileiro se justifica parcialmente pelos rumores de que algumas pessoas teriam passado mal nas sessões diante das fortes cenas de horror. O discurso de marketing, certamente exagerado, acaba se tornando finalidade em si próprio: pouco importa o conteúdo da obra, contanto que ela seja nojenta a ponto de causar enjoos. “Alerta: emoções intensas”, parecem alertar os distribuidores, que inclusive distribuíram saquinhos de vômito aos espectadores, em estratégia semelhante àquela adotada por Triângulo da Tristeza, vencedor da Palma de Ouro — o que nos diz muito sobre a proximidade entre lixo e luxo. 

Talvez alguma pessoa tenha se sentido mal, de fato. Ora, ela está longe de constituir um caso exemplar ou significativo do público. Esta comunicação caça-clique, espécie de marketing-espetáculo, tem predominado na divulgação dos títulos de terror (Pearl e Noites Brutais ganharam tratamento semelhante). Tamanha repercussão nas redes garantiu a chegada de uma sequência cujo filme inicial nem sequer havia sido exibido em salas — outra singularidade desta estreia nos cinemas. Mas tem um filme nojento sobre o qual todos falam! Lancemos o filme repulsivo para surfar na popularidade do Twitter! Estranho momento em que os algoritmos ditam as obras às quais temos acesso no cinema.

Terrifier 2 representa uma tentativa contemporânea de surfar na aparência de mal-feito e caseiro dos filmes trash dos anos 1970 e 1980. A granulação da imagem, as cores dessaturadas e a trilha sonora de um eletrônico antigo nos remetem diretamente a esta época, embora a trama seja atual, conforme atestam os telefones celulares na mão dos protagonistas. O diretor Damien Leone privilegia a nostalgia à originalidade, ou ainda a melancolia de uma cinefilia clássica às tentativas mais polidas de cinema de gênero, que buscam se comunicar com públicos amplos. Este é um filme extremo, de nicho, e orgulhoso de sê-lo.

Em relação à obra original, a sequência representa um imenso salto de qualidade. […] Infelizmente, a melhoria não diz muito a respeito do valor de Terrifier 2, visto que o parâmetro estava baixíssimo.

Em relação à obra original, de 2016, a sequência representa um imenso salto de qualidade. O criador dispôs de um orçamento muito mais confortável, passando de US$ 35 mil para US$ 250 mil, o que ainda constitui uma soma ínfima em relação a qualquer terror barato de um estúdio independente. Noites Brutais custou US$ 4,5 milhões, por exemplo, enquanto A Bruxa foi realizado com US$ 4 milhões, e Hereditário, com US$ 10 milhões. Mesmo assim, a nova produção permite à equipe alçar voos mais ambiciosos, incluindo o delírio num programa infantil e a cena de uma captura subaquática.

Infelizmente, a melhoria não diz muito a respeito do valor de Terrifier 2, visto que o parâmetro estava baixíssimo: o primeiro Terrifier era péssimo. O autor não sabia como dirigir atores, onde posicionar a câmera para gerar suspense ou medo, nem como imprimir ritmo e filmar a violência. O trash nunca significou falta de qualidade, havendo excelentes exemplares de cinema gore pelos arquivos da cinefilia de gênero — vide O Vingador Tóxico. A primeira aventura do palhaço Art, em contrapartida, soava menos do que um exercício de escola de cinema, algo como uma traquinagem entre amigos.

Desta vez, existem certas atuações razoáveis, com destaque para Lauren LaVera no papel feminino central. Mesmo o irmãozinho, interpretado por Elliott Fullam, transmite uma aparência de inaptidão social que convém ao personagem. Há cenas de potencial, caso do programa infantil e do ataque à mulher em sua cama, inspirado em A Hora do Pesadelo (1984). Os ataques resultam menos abruptos e aleatórios, posto que o trabalho de suspense sugere que Art se dirige contra algumas vítimas em particular — com destaque para as mulheres que desprezam sua presença. Algo neste vilão beira o macho ressentido, cuja defesa se converte em ataque.

Art constitui um vilão de forte potencial. Por adotar o comportamento de um mímico, ele não fala jamais, e nem mesmo grita de dor ou de alegria, simulando os sentimentos pelas expressões e gestos. Existe um caráter lúdico, e ironicamente provocador, no sujeito que mimetiza a dor ao ser atacado, como se não sofresse com o machucado de fato. Terrifier 2 navega entre os registros aparentemente antagônicos de parecer real e assumir sua artificialidade, ou ainda, entre o realismo e a fantasia. A presença deste palhaço em qualquer lugar, sem motivo aparente, nem laços de qualquer natureza (família, casa, origens) lhe confere o aspecto de assombração.

A fronteira entre o natural e o sobrenatural aponta para a característica mais curiosa de Art, e também o fator mais problemático em ambos os filmes da franquia. Leone nunca sabe ao certo se o monstro é uma figura humana ou sobre-humana, se possui poderes ou se demonstra fraquezas semelhantes àquelas das suas vítimas. O vilão morre, mas se levanta e continua andando. Ele mantém uma relação paterna com a garotinha-palhaço, mal aproveitada e explicada, que pode ser vista apenas por alguns personagens, e dotada de poderes dúbios. Os objetivos de Art também podem ser questionados: afinal, o que deseja essa figura maligna?

Terrifier 2 se aprofunda em elementos mágicos tão improváveis quanto infantis. Um sabre se acende com uma luz mágica e empodera a guerreira que o empunha. Um corpo afogado ressurge das profundezas da água para lutar contra o vilão — agora os humanos também ostentam qualidades mágicas. O palhaço demonstra força ordinária em algumas cenas, porém revela uma potência sobrenatural a seguir. Em outras palavras, Art se prova um personagem profundamente incoerente, cuja trajetória oscila a esmo, face às vontades de seu criador. O sujeito se contradiz (ele pode aparecer em sonhos em determinado momento, mas depois perde este potencial), visto que a prioridade do autor se encontra em produzir cenas de impacto, um tanto desconectadas, como esquetes.

No final, o pretenso aspecto autoral dos dois filmes — o segundo possui o título alternativo Damien Leone’s Terrifier 2 – esconde, na verdade, a ausência de rumos, preparo ou ambições coesas para este universo audiovisual caótico. David Howard Thornton oferece notável expressividade no papel do palhaço, mas isso é pouco para um projeto que ainda confunde o trash com o “quanto pior, melhor”, e o amador com a ausência de preparo e objetivo. O filme se inicia e se encerra em si próprio, tendo como ápice a anedota extrafílmica de pessoas passando mal devido à imagem de um braço decepado. No entanto, existem 135 minutos ao redor desta cena. Os problemas começam por aí.

Terrifier 2 (2022)
3
Nota 3/10

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