Um Broto Legal: “Muitas pessoas acham que o rock chegou com a Jovem Guarda, mas ele veio com Tony e Celly Campello”

Nesta quinta-feira, 16 de junho, chega aos cinemas uma nova cinebiografia musical: Um Broto Legal, história dos irmãos Celly Campello (Marianna Alexandre) e Tony Campello (Murilo Armacollo), que saem de Taubaté para se tornarem ícones nas paradas musicais brasileiras dos anos 1950, antes da chegada da Jovem Guarda.

Para o diretor Luiz Alberto Pereira (de Han Staden e Tapete Vermelho), eles foram os verdadeiros precursores do rock no país, mas suas histórias foram minimizadas pela decisão de Celly de abandonar a carreira, no auge da fama, para se dedicar ao namorado e à família.

Confira a conversa exclusiva com os dois atores e com o cineasta a respeito do projeto:

Qual é a importância de contar hoje a história de Celly e Tony?

Marianna Alexandre: É importante falar sobre a nossa história. Temos que lembrar a história da música, e no nosso caso, do rock, porque Celly foi a precursora do rock nacional junto ao Tony. Eles trouxeram esse estilo que até então ficava apenas nos Estados Unidos. É legal abordar isso, até porque muitas pessoas nem sabiam que eles eram os precursores do rock. A história é gostosa de assistir, além de resgatar esse aspecto histórico.

Murilo Armacollo: De fato, o rock veio com eles, e então chegaram todos os outros movimentos, como a Jovem Guarda. Muitas pessoas ainda acham que o rock chegou ao Brasil com a Jovem Guarda, mas ele veio com Tony e Celly Campello. Essa informação se perdeu com a evolução da música. A Celly se retirou rapidamente de cena, porque quis constituir família, enquanto a Jovem Guarda ficou em atividade por muito tempo. Celly até foi convidada para fazer parte do grupo, mas não aceitou, porque já tinha feito a sua escolha pessoal. Tudo o que temos na música hoje em dia, tem essa base, que já era popular na Europa e nos Estados Unidos. Celly Campello e Tony jogaram um balde de rock’n’roll nos jovens da época. 

Luiz Alberto Pereira: Naquela época, a música tinha outra cara. Era mais bolero, samba canção — que eu adoro, inclusive. Mas não tinha uma cara jovem, algo que pudesse estourar. Inclusive, o Cauby Peixoto chegou a gravar rock’n’roll. Nora Ney gravou Rock Around the Clock em 1965. Antes, ela cantava samba canção; era outra escola. Mas faltava uma cara jovem para marcar o estilo. Quando aparecem Celly e o Tony, eles estouram porque colocam a juventude em destaque.

Era importante para vocês serem muito fiéis às roupas da época, à aparência e ao modo de falar dos personagens?

Marianna Alexandre: Existe pouco material, se a gente parar para pensar. Assim que eu soube do filme, quis mergulhar no material de arquivo, mas não encontrava. Tinham pouquíssimas coisas em preto e branco. Encontrei imagens dela mais velha, quando voltou. Consegui beber um pouco dessa água, e o Dimas [Oliveira Jr., roteirista] preparou a gente. O próprio Tony Campello foi aos ensaios. Ele visitou as filmagens, falou sobre a irmã dele, a relação dos dois. A gente queria seguir essas indicações de perto. Queria que as pessoas assistissem ao filme e vissem a Celly, ao invés de uma atriz interpretando a Celly. Por isso, fizemos várias mudanças: eu cortei o cabelo, fiz outro penteado. Precisei neutralizar meu sotaque, porque sou do Rio de Janeiro. Estudei muito, mas tenho facilidade com sotaques por ter morado em vários lugares, e por ser dubladora. O trabalho com a voz foi fundamental para trazer a veracidade.

Ter o Tony real por perto deve ter aumentado a responsabilidade de interpretar o personagem.

Murilo Armacollo: Eu fiquei ansioso e receoso. Ele veio nos ver, e obviamente, já tinha um trabalho de visagismo para me deixar mais próximo dele. A equipe fez isso com uma maestria linda. Mas a preocupação era principalmente com a questão da época. Na visita dele, passamos muito tempo juntos. Tony me deu dicas de empostação vocal, de como movimentar a voz. Ele contou como os fãs se comportavam na época. Foi uma carreira meteórica: do dia para a noite, os dois explodiram, e se tornaram unanimidade no Brasil. Não tenho a menor noção pessoal de como seria isso, então o Tony me ajudou. Estou ansioso para que ele veja o resultado. Mas sei que ele vai gostar: a equipe deixou o filme leve e redondinho, da forma como tinha que ser. Quem não presenciou a época vai descobrir com fidelidade e delicadeza esse movimento. Quem presenciou, vai ter a memória afetiva e sentimental, que foi fundamental aos jovens senhores de hoje.

Marianna Alexandre: Eles vão poder se identificar, com certeza. Esse filme consegue dialogar com várias gerações. Tem os jovens que acompanham o nosso trabalho, e o pessoal que viveu a época. 

Murilo Armacollo: A música da Celly é muito atual. Hoje temos muita música descartável, mas é impressionante como a carreira dela é marcante até hoje. Ela está na trilha sonora da novela das seis, por exemplo. O trabalho dela segue presente.

Marianna Alexandre: Nas redes sociais, as pessoas me marcam o tempo inteiro em postagens relacionadas a ela. Basta aparecer uma música da Celly Campello, e me marcam. Tem várias trends com as músicas dela ainda hoje.

Luiz, você foi rígido com a direção de arte e de fotografia, para reproduzir a época?

Luiz Alberto Pereira: Foi um trabalho como tinha que ser: filmes de época precisam ser fiéis à época. É necessário ser fiel aos comportamentos, os cenários, às roupas, às gírias. Fui muito fiel a isso. Não fui rígido, mas fui exigente com todos os aspectos para rememorar a época para as pessoas que viveram aquilo, e passar um conhecimento novo para as pessoas que não viveram. Foi uma exigência bem grande em todos os setores. A equipe deu duro.

Como avaliam a decisão da Celly de parar a carreira no ápice, para se dedicar ao namorado?

Luiz Alberto Pereira: Naquela época, a mulher era uma típica dona de casa. Falo especificamente dos anos 1950, porque na década de 1960, as coisas começaram a mudar. Ela queria casar, ter filhos e cuidar da família. Mas a Celly não pensou nisso, não era essa a preocupação. Ela sabia que poderia continuar a carreira se quisesse. Mas ela estava cheia daquilo tudo: não dava para tomar um sorvete tranquila em Taubaté, não dava para ir à farmácia sem ter várias pessoas atrás dela. Ela queria parar com aquilo, abrir mão daquele momento de fama. Hoje as pessoas se matam por 15 minutos de fama, mas ela não aguentava mais. Foi basicamente isso. Celly decidiu por si mesma, não foi uma imposição da sociedade.

É uma diferença de geração enorme. Deve ter sido um trabalho de composição intenso.

Marianna Alexandre: Sem dúvida. A gente teve uma preparação muito legal, com tempo de realmente pensar na época. Eu já tinha feito trabalhos que se passavam nessa geração. Tive A Noviça Rebelde no teatro, e a novela Gênesis agora. Tudo voltado para antigamente! Adoro contar histórias de época. Estamos contando algo importante para a história. Foi um desafio grande, mas gratificante.

Como escolheram quais músicas apareceriam no filme?

Luiz Alberto Pereira: Pelo menos três músicas eram fundamentais: Banho de Lua, Estúpido Cupido e Um Broto Legal — especialmente essa última, que dá nome ao filme. Mas Banho de Lua representa a transformação total da personagem, e era fundamental também. A música representou um trabalho muito grande para a gente. Não são títulos fáceis de conseguir: passei seis meses para conseguir toda a música, em especial as americanas, que são caríssimas. 

Marianna Alexandre: E a gente canta outras coisas do início da carreira da Celly também.

Luiz Alberto Pereira: Rock Around the Clock é um clássico do rock, mas foi dificílimo conseguir. Penei, mas consegui. 

Por que temos tanto apreço pelas biografias musicais no cinema brasileiro?

Murilo Armacollo: Quando você tem movimentos históricos, como o rock’n’roll, a assimilação do público é muito mais fácil. São revoluções, e os artistas se tornam celebridades da época, para além de músicos. Em todas as cinebiografias de músicos, temos a oportunidade de revelar o outro lado, a parte da história que as pessoas ainda não conhecem. Geralmente, já conhecemos o trabalho e temos carinho pelo carisma, pela personalidade. Quando vemos um artista sempre de maneira glamourosa, surge a curiosidade de conhecer os bastidores: a produção, a família, os amores. Isso pode ser tanto com Marilyn Monroe quanto com Celly e Tony. Existe a curiosidade de conhecer a vida de fato. Como Celly abriu mão do sucesso, fica a curiosidade de descobrir o que vai além das revistas e da rádio. Sempre vamos querer conhecer a intimidade das celebridades. É isso que buscamos nas biografias de pessoas públicas, ao invés de histórias de políticos e esportistas, por exemplo.

Luiz Alberto Pereira: Também temos bastante biografias políticas! Mas música é música: é gostosa. Arte tem outro aspecto. 

Marianna Alexandre: A arte toca muito as pessoas. Agora, durante a pandemia, a arte salvou as pessoas. A gente estava em casa consumindo arte. O que seria desse período de isolamento sem as séries, os filmes, a música? É muito gostoso ter histórias de música, porque elas despertam esse lugar especial de afeto.

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