Alerta Máximo (2023)

O inferno são os outros

título original (ano)
Plane (2023)
país
Reino Unido, EUA
gênero
Ação
duração
107 minutos
direção
Jean-François Richet
elenco
Gerard Butler, Mike Colter, Yoson An, Daniella Pineda, Paul Ben-Victor, Remi Adeleke, Joey Slotnick, Evan Dane Taylor, Tony Goldwyn, Lilly Krug, Claro de los Reyes, Tara Westwood, Kelly Gale, Amber Rivera, Rose Eshay, Oliver Trevena
visto em
Cinemas

É claro a qualquer espectador que o voo dirigido pelo piloto Brodie Torrance (Gerard Butler) sofrerá algum tipo de problema no início da trama. Isso se deve não apenas pela afinidade do ator principal com filmes sobre catástrofes naturais, mas também pelo fato de a narração nos alertar, cena após cena, das possibilidades de uma tragédia. O protagonista ressalta que a tempestade está forte demais, porém os diretores da companhia aérea não o escutam. Os turistas reclamam que o avião estaria em estado deplorável. Um prisioneiro forte, descrito como violento, figura na lista de passageiros. O caos não deve demorar a chegar.

Sabe-se também que estamos na véspera de Ano Novo, porque a filha de Brodie lembra, ao telefone: “É véspera de Ano Novo!”. Talvez o pai não soubesse. Adiante, quando efetuam o pouso forçado num local remoto, o copiloto Dele (Yoson An) sugere que, caso estejam na ilha Jolo, a situação tende a ficar perigosa, por se tratar de um lugar “sem governo nem leis”. Adivinha onde eles se encontram? Alerta Máximo possui essa tendência, típica do cinema de ação brucutu, a antecipar os seus problemas, verbalmente, na expectativa de criar tensão. Ele poderia surpreender o público com reviravoltas inesperadas, mas prefere anunciar, explicar, criar o clima de que o caos surgirá a qualquer momento. 

De fato, os problemas aparecem em poucos minutos de narrativa. Entre o choque de uma revelação abrupta e o conforto de enveredar exatamente pelo caminho anunciado, o projeto prefere a segunda via. Além disso, tudo o que pode dar errado, dará: o prisioneiro perigoso se solta; a ilha consiste numa milícia violenta ao ar livre; o grupo é descoberto e sequestrado sem dificuldade; os canais de comunicação externos estão limitados, etc. Além disso, há passageiros pouco inteligentes, que saem correndo diante de bandidos armados; outros reclamões; alguns mais preocupados em gravar vídeos no celular do que coordenar a sobrevivência do grupo.

O número crescente de obstáculos serve para Brodie comprovar seu valor como piloto, como pai, como líder forte e destemido. “Eles são meus passageiros! Minha responsabilidade!”, grita o homem, antes de correr sozinho em direção a uma dúzia de mercenários armados, prontos para revidar. O herói sustenta um caráter redentor (trata-se de um piloto em decadência), além de martirizante (pois oferece a própria vida contra aquela das vítimas chorosas) e viril (pois forte, corajoso, paterno). O caos é criado para Brodie, na forma de um presente inesperado ao sujeito que precisava apenas de uma tragédia do tipo para se reerguer aos olhos da sociedade. Eis o presente de Ano Novo.

Os personagens do sudeste asiático são retratados com um fetichismo e uma animalização perturbadora. Retirando as questões de ponto de vista e discurso, Alerta Máximo funciona bem quando considerado estritamente pela perspectiva do cinema de ação.

Para que o protagonista pareça ainda mais virtuoso, é preciso que as pessoas ao redor sejam deploráveis. Pais de família serão cuidadosos e gentis (Dele se inclui nesta categoria), já viajantes sozinhos são desonestos, egoístas, corruptos e fracos em instantes de necessidade. Louis Gaspare (Mike Colter), o prisioneiro negro, é descrito inicialmente enquanto um sujeito selvagem, bruto e incontrolável. As poucas mulheres da narrativa limitam-se a chorar, a gritar “pai”, a esperar pelo resgate dos homens fortes (caso da comissária de bordo e de duas amigas no avião).

No entanto, a representação mais questionável será aquela dos filipinos da Ilha Jolo. Por se apropriar de um lugar real e habitado, a imagem das pessoas ali presentes se mostra preconceituosa, no mínimo, e racista, para ser mais preciso. Todos os autóctones, sem exceção, são homens milicianos, violentos, de olhos ameaçadores e metralhadoras em punho. Eles não precisam de motivos especiais para atacarem os visitantes inesperados — atacam porque são maus, nesta visão estereotipada do outro, do inimigo, do sujeito diferente. Os personagens do sudeste asiático são retratados com um fetichismo e uma animalização perturbadora.

Retirando as questões de ponto de vista e discurso, Alerta Máximo funciona bem quando considerado estritamente pela perspectiva do cinema de ação. Em outras palavras, o ritmo é ágil, o uso de trilha sonora e música se prova funcional, a tensão cresce rumo a um clímax e desfecho eficazes para a trajetória do piloto. Logo, o filme cumpre o papel de veículo para seu astro principal brilhar, mas falha ao reincidir numa visão sociopolítica digna das produções machistas e xenofóbicas dos anos 1980.

Em uma sequência específica, o diretor Jean-François Richet revela o que o longa-metragem poderia ser caso tivesse ambições estéticas mais profundas. Numa das raras cenas de luta, o piloto enfrenta um miliciano num galpão abandonado. A briga ocorre em plano-sequência, num combate intensamente coreografado, tanto com os atores quanto com a câmera. Ecos de John Wick surgem no horizonte graças ao aspecto brutal e realista desse enfrentamento, enquanto a direção de fotografia aposta em imagens anguladas em scope, distorcendo espaços e sugerindo o grande esforço físico dos adversários. 

Caso mantivesse este estilo brutal, próximo dos corpos e da acrobacia da câmera, poderia atingir um nível mais empolgante. No entanto, o instante se dilui em meio a uma linguagem tão competente quanto impessoal, burocrática. A câmera treme durante a turbulência do avião; coloca-se no meio dos bandidos durante um tiroteio; aproxima-se do rosto de Gerard Butler para sugerir intensidade dramática e aproveita drones para valorizar a imagem exótica e tropical da ilha distante. 

Richet, que já comprovou seu talento num cinema de ação autoral, cumpre o serviço mínimo dentro da estrutura de um estúdio norte-americano, a partir de um orçamento mediano (US$ 50 milhões). O filme sabe aproveitar seus recursos visuais, com efeitos competentes. A única ousadia da produção viria da combinação de dois subgêneros que raramente convivem no mesmo projeto: a catástrofe aérea e a guerra com vilões de um país distante. Ambos os registros trazem ecos familiares e previsíveis, mas produzem alguma faísca graças à fricção da montagem.

De resto, sobra trilha sonora emotiva nas cenas finais; frases de efeito do herói em sua conclusão épica; redenções a distância (“Você é um pai incrível!”, afirma a filha numa gravação em vídeo); extermínio total dos oponentes (voltamos à época em que bandido bom era bandido morto, ao invés de preso e julgado). Alerta Máximo constitui um filme antiquado, visando o público adulto carente de produções “como antigamente”, que talvez não se enxerguem no humor autorreferente e na velocidade das produções concebidas para o streaming. 

Face ao cinema TikTok promovido por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, Triângulo da Tristeza e Glass Onion, esta trama de ação truculenta talvez encontre o público nostálgico. Ele apela à época em que os problemas eram resolvidos pelos músculos de um homem forte, bruto e corajoso, enquanto as mocinhas ficavam chorando e esperando o resgate. No final, adivinha? Salvam-se o mundo e o status quo. Preservam-se família, tradição e propriedade.

Alerta Máximo (2023)
4
Nota 4/10

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