Tubarão: Mar de Sangue (2022)

Morte aos pecadores

título original (ano)
Shark Bait (2022)
país
Reino Unido
gênero
Suspense, Ação, Terror
duração
87 minutos
direção
James Nunn
elenco
Holly Earl, Jack Trueman, Catherine Hannay, Malachi Pullar-Latchman, Thomas Flynn, Manuel Cauchi, Maxime Durand
visto em
Cinemas

Existe um gênero muito particular de filme de terror, que consiste em punir os protagonistas por suas falhas morais. Os alvos costumam ser jovens que fazem sexo, bebem, tratam os demais de maneira arrogante. Depois, são perseguidos por algum psicopata numa cabana na floresta, tornam-se alvos de uma criatura sobrenatural ou recebem uma punição pela natureza. Tubarão: Mar de Sangue adota este último caminho — aqui, os imorais são vingados pelos dentes afiados de um tubarão branco.

O roteiro deixa claro que, quanto mais trapaceiro ou detestável for o personagem, maiores as chances de morrer. Por isso, o pobre mendigo que tenta alertar um grupo de turistas sobre a presença de feras perigosas nas águas perdeu apenas as pernas, mas se mantém vivo. A protagonista é a única recatada, sonhadora, que bebe pouco, tem um namorado fixo e desaprova a ideia de roubar jet skis para se divertirem no último dia de férias. Devido ao mea culpa da garota pudica, o destino a preserva por mais tempo.

Já os colegas serão vingados por suas ações. A colega traidora, que dormiu com o namorado da mocinha; o sujeito infiel, o tipo inconsequente que decide se apropriar dos jet skis, e assim por diante, receberão uma punição meritocrática, vinda diretamente dos céus, e concretizada na figura do animal. O tubarão se aproxima da virginal Nat (Holly Earl), porém a ignora. Com os colegas dela, não demonstra tamanha piedade, talvez por farejar a libido e a imoralidade, para além do sangue nas águas. Há um caráter moralista, e bastante cristão, nestes filmes sobre feras seletivas, e sobre a sobrevivência do mais puro.

O filme nem sequer se esforça para que o espectador tema pelos jovens em perigo, e se solidarize com a luta contra o animal faminto. Pelo contrário: eles são descritos unicamente por suas falhas (a bebida em excesso para Greg, o flerte com o rapaz comprometido para Milly), ganhando pouca ou nula descrição psicológica. São destituídos de planos para o futuro, ambições, traços distintos de personalidade. Assim como no horror em estilo Jogos Mortais, os amigos consistem em carne enviada ao abatedouro, diretamente à boca do predador.

O roteiro deixa claro que, quanto mais detestável for o personagem, maiores as chances de morrer. […] Há um caráter moralista, e bastante cristão, nestes filmes sobre feras seletivas, e sobre a sobrevivência do mais puro.

Para isso, é preciso que tudo ao redor dê errado: os telefones caem na água (em cena filmada longamente, com mais pesar da direção do que pelos corpos dilacerados), o tanque de gasolina se esvazia, os jet skis se rompem, ninguém na costa os observa, e os barcos na proximidade são invisíveis aos gritos de socorro. Para complicar a situação, jovens pouco inteligentes começam a brigar em alto mar (a descoberta da traição); decidem beber água salgada, deixam cair objetos importantes. É evidente que todos os esforços serão inúteis: eles estão condenados à morte desde a cena inicial.

Esteticamente, o diretor James Nunn opta por uma estratégia de imersão, mantendo-se o mais perto possível dos jovens para ressaltar as expressões de medo e angústia. Em paralelo, investe em planos aéreos e subaquáticos de modo a sublinhar a pequenez humana em meio ao mar aberto, e ao tubarão que se aproxima. Em termos de ritmo e proximidade, obtém um resultado dinâmico, sem tempos mortos, de andamento enxuto. O roteiro não demora a colocar os personagens em perigo: em menos de 10 minutos, eles já estão desesperados em alto mar.

Em contrapartida, a maquiagem de ferimentos e sangramentos fica aquém do padrão esperado de uma produção de alto nível. Braços decepados e torsos dilacerados não se parecem, nem de perto, com vísceras humanas expostas. Os efeitos visuais, curiosamente, possuem graus variáveis de competência. Na primeira metade, são bastante convincentes para uma obra tendo custado US$ 5,2 milhões de dólares. Entretanto, na reta final, as aparições da criatura se tornam artificiais, como se a finalização tivesse ocorrido às pressas.

As atuações seguem um nível parecido. Nenhuma delas se destaca negativamente, tampouco soam realistas, com tempo para nuances, transformações ou contemplação. O grupo é reduzido a um painel de sobreviventes, a quem cabe gritar, implorar, chorar. Os atores têm pouco material com que trabalhar, caso em que a superficialidade dos personagens se deve mais aos produtores do que o talento dos intérpretes. O projeto inteiro transparece a aparência de filme B, no qual o encontro com a criatura representa um meio e uma finalidade. Nem o diretor, nem os criadores se importam o mínimo com seus personagens. 

Em determinada cena, o roteiro parece sugerir uma reflexão acerca da selvageria humana, quando o grupo despreza homens em situação de rua, suja as praias, comporta-se de maneira irresponsável e violenta. Ao retirar o lixo da beira-mar, um funcionário da cidade se exclama: “Animais!”. Atrás dele, os protagonistas se debatem em busca de ajuda, invisíveis os olhos do faxineiro. Seriam os jovens os verdadeiros animais desta trama, ao invés dos tubarões? O possível retrato da cadeia alimentar, impiedosa e brutal, seria interessante caso tal argumento se desenvolvesse na trama. Mas a hipótese é abandonada em seguida.

Por fim, Tubarão: Mar de Sangue não constitui nem um filme ruim o suficiente para ser memorável, nem competente a ponto de competir com obras de grandes estúdios. Talvez sirva ao jovem diretor para provar a capacidade, dentro da indústria, de efetuar o mínimo possível, na criação de obras sem reais pretensões de aclamação popular, de crítica, nem de retorno expressivo de bilheteria. Às vezes, esquecemo-nos destas obras que servem a rechear os serviços de streaming e colocar a linha de produção do audiovisual em movimento. 

Trata-se de pequenos filmes fracos, discretamente cientes de sê-los, e que se contentam com pouco em termos de roteiro, construção de personagens e acabamento visual. O cinema também possui sua liga B ou C, seus profissionais que precisam trabalhar, muito distantes da fama e da aclamação. Seria injusto exigir polimento e inovação de um projeto que não demonstra o menor interesse nestes critérios. O longa-metragem faz a engrenagem funcionar, emprega atores e técnicos pouco reputados, e cumpre o pouco que se espera dele. 

Tubarão: Mar de Sangue (2022)
3
Nota 3/10

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