Dezoito lançamentos brasileiros em 30 dias: o cinema nacional se afunila

O espaço para a exibição do cinema brasileiro nunca foi vasto, nem antes da pandemia, nem nesta fase de reabertura. No entanto, tem chamado a atenção o afunilamento crescente de grandes obras nacionais em busca de visibilidade num circuito ainda mais disputado. Se era delicado, quatro anos atrás, encontrar uma estratégia de divulgação para obras ousadas num circuito tradicional, o “novo normal” traz uma disputa desleal por espaços, algo que não ajuda nem os criadores, nem os espectadores.

Segundo dados do Filme B, no dia 23 de junho, estrearam os filmes brasileiros Um Dia Qualquer, Dissonantes, Sujeito Oculto e A Jangada de Welles. Em 30 de junho, chegaram às salas Três Vidas e um Sonho, Carro Rei, As Verdades, Seguindo Todos os Protocolos e A Colmeia. Na semana seguinte, foi a vez de Gyuri e Os Primeiros Soldados. Em 14 de julho, foram lançados O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh, Rua Guaicurus e A Queda. Em 21 de julho, chegam Pluft, O Fantasminha, Última Cidade, Casa de Antiguidades e Ela e Eu

Carro Rei

São dezoito produções nacionais no espaço de um mês, competindo com Thor: Amor e Trovão, Top Gun: Maverick, Minions 2: A Origem de Gru e outros mastodontes do cinema norte-americano. A conta não inclui longas-metragens exibidos diretamente em streaming, outros que talvez não tenham sido catalogados pelo Filme B, e produtos audiovisuais diversos (séries nacionais, por exemplo). 

Os críticos de cinema têm notado esta sobreposição veloz: muitos filmes nem sequer conseguem realizar uma cabine de imprensa, ou promover entrevistas e divulgar as obras a contento. Num passado recente, obras do porte de Carro Rei (selecionado em Roterdã, com Matheus Nachtergaele), As Verdades (de José Eduardo Belmonte, com Lázaro Ramos), Pluft, O Fantasminha (uma grande produção em 3D com Juliano Cazarré e Fabíula Nascimento) e Casa de Antiguidades (selecionado em Cannes e Toronto) jamais competiriam entre si, podendo distanciar as datas de lançamento uns dos outros.

A disputa tende a desfavorecer os títulos de menor porte: Última Cidade é uma produção excelente, que agora trava uma luta solitária pela descoberta do espectador. O mesmo pode ser dito de Rua Guaicurus, pronto há alguns anos, e dos excelentes Os Primeiros Soldados e Seguindo Todos os Protocolos. Trata-se de uma safra de altíssima qualidade, cuja proximidade de exibição relembra o ritmo de uma mostra ou festival de grande porte — estes últimos títulos poderiam facilmente constituir a mostra competitiva do festival de Brasília, Cine Ceará ou Olhar de Cinema, num ano inspirado.

Seguindo Todos os Protocolos

No entanto, uma vez lançados nas salas, eles têm poucos dias para conquistar o público e garantir uma segunda semana de exibição. Caso contrário, perdem as salas para os próximos filmes — Aos Nossos Filhos, Brasil África: Um Elo Natural e as co-produções Virar Mar e Poetas do Céu já chegam na semana seguinte. Retirou-se das obras o tempo necessário para conquistar o público, gerar boca a boca, despertar curiosidade. Em paralelo, tampouco criam uma fortuna crítica considerável, visto que parte da imprensa tem se voltado aos blockbusters internacionais. Teme-se que algumas delas não se inscrevam no imaginário ou na história do audiovisual brasileiro, devido à disponibilidade ínfima ao cinféilo.

Desta maneira, o circuito exibidor tradicional se aproxima do ritmo enlouquecedor das plataformas de streaming, onde a cada semana, uma dezena de conteúdos novos é despejada no catálogo com pouca ou nula atenção individual. É difícil saber quais obras foram lançadas, quando, em qual serviço, e se permanecem disponíveis ao público. Diante da estreia destes belos longas-metragens realizados alguns anos atrás, os colegas críticos se surpreendem: “Ué, mas esse filme ainda não tinha sido lançado?”. Afinal, jornalistas e críticos os viram em festivais anos atrás. Mas o público, ainda não.

Os cinemas voltados às produções nacionais fazem o que podem. Eles têm promovido ações conjuntas, planos de marketing para trazer os espectadores de volta. Espaço Itaú, os cinemas do Sesc, Petra Belas Artes, circuito Estação, Reserva Cultural e Cine Marquise, para citar apenas o eixo São Paulo-Rio de Janeiro, conseguem dar atenção a mostras temáticas e valorizar filmes restaurados, ou ainda títulos fora do circuito tradicional. Não é fácil sustentar esta curadoria junto ao modelo de negócios — o Espaço Itaú Augusta carrega a sombra do fechamento das salas 4 e 5, no espaço anexo, prometido ainda em 2022.

Pluft, o Fantasminha

Entretanto, os hábitos de consumo cultural mudaram. Muitas pessoas se afeiçoaram aos serviços de streaming durante o período de isolamento social, ou simplesmente não podem arcar com os preços altos dos ingressos, que custam, para um único filme, o valor da assinatura de uma das plataformas online. A economia não tem favorecido a compra de alimentos básicos, o que dirá então de ingressos de filmes — e de pipoca, refrigerante e outras guloseimas que constituem uma fonte de renda fundamental às salas de cinema?

A escolha de lançamento de tantos filmes brasileiros ao mesmo tempo tampouco parte de uma decisão irrefletida. Algumas produções são obrigadas a promover o lançamento comercial até uma data específica, caso tenha beneficiado de editais e leis de fomento. Outras evitaram a estreia online durante a pandemia, preferindo esperar um momento propício para ganharem, enfim, uma exibição nas salas de cinema. O problema é que muitas delas pensaram da mesma maneira, e hoje não existe espaço para todas.

Para efeito de comparação, o vizinho México, um país de tamanho muito menor do que o nosso, possui um número de salas de cinema superior ao parque exibidor brasileiro. Os Estados Unidos chegam a ter quase 10 vezes a quantidade de cinemas no Brasil. Nem se fale, então, da concentração destes espaços nas grandes capitais, deixando os espectadores afastados dos centros com a única opção dos blockbusters, quando disponíveis, ou então do streaming e da pirataria.

Em outras palavras, o problema não possui uma causa única, nem uma solução evidente. Ele existia antes da crise sanitária, porém se agrava consideravelmente agora. O cinema brasileiro nunca careceu de boas obras; os problemas consistem em chegar aos olhos do espectador, formar público, criar condições financeiras de frequentar uma sala, além do hábito de procurá-las. 

Agora, somam-se aos obstáculos a competição de obras entre si, num dispositivo triste e perverso. O casal disposto a pagar 30 reais por cada ingresso, além do deslocamento até a sala, do estacionamento, da gasolina e da pipoca, chega ao cinema e precisa escolher: vai ver Seguindo Todos os Protocolos, Carro Rei, As Verdades, Casa de Antiguidades, Amigo Secreto, Os Primeiros Soldados? Seria lindo se pudesse assistir a todos estes, ou pelo menos, a uma grande parte da bela seleção.

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